Folha de S. Paulo


Estilo ativista de José Serra enfrentou obstáculos

Alan Marques - 28.set.2016/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 28.09.2016. O ministro das Relações Exteriores, José Serra, participa da 111ª Reunião do Conselho da Câmara de Comércio Exterior - CAMEX, no Palácio do Planalto. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER MERCADO
O ex-ministro das Relações Exteriores, José Serra

José Serra prometeu ajustar a política externa brasileira. Além de crítico de primeira hora da diplomacia do PT, ele tinha a vantagem de ser o primeiro chanceler em muito tempo com peso político próprio.

Assumindo o Itamaraty com seu estilo ativista, Serra consumiu as primeiras semanas de mandato defendendo a legitimidade do impeachment e destravando na Esplanada o orçamento de seu ministério.

Desde o início, ficou claro que seu ímpeto pessoal esbarraria nos obstáculos típicos do cargo de ministro do Exterior. Por um lado, a burocracia do Itamaraty concentra decisões administrativas nas mãos da chefia, consumindo um tempo desproporcional.

Por outro, a agenda protocolar e de viagens é massacrante, e sempre onera a saúde do ocupante da pasta.

As principais travas, porém, cobraram seu preço nas áreas substantivas da diplomacia. Sempre que Serra desafiou os cânones herdados do passado com voluntarismo reformista, empacou.

Em pouco tempo, sua crítica contra a ênfase dada ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU foi substituída pela cartilha de sempre. Sua ironia a respeito de uma eventual vitória do Partido Republicano nas eleições dos Estados Unidos cedeu lugar aos fatos.

Até mesmo na área que ele escolheu como prioritária –o comércio internacional–, as ambições originais tiveram de ser adequadas à realidade. A promessa de novos acordos comerciais foi trocada por uma agenda de promoção comercial que tem bastante continuidade em relação ao segundo mandato de Dilma.

A vontade inicial do ministro de "flexibilizar" o Mercosul, afastando o Brasil da união aduaneira, teve de ser posta de lado.

Serra conviveu durante toda a gestão com a sombra da Lava Jato, embora não exista ainda evidência suficiente na esfera pública para julgar se isso afetou de alguma maneira o seu trabalho como chanceler.

O que fica de marca pessoal? A suspensão da Venezuela do Mercosul, uma medida de difícil execução que demandou o empenho pessoal do ministro.

Não será esse, entretanto, o legado mais importante de sua gestão. A principal herança de Serra é a elevação do problema da segurança pública à política externa.

O valor disso é inestimável. O Brasil convive com índices de violência urbana, contrabando, narcotráfico e mortes por arma de fogo típicas de países em guerra. Apesar disso, a classe política sempre deu de ombros à natureza transnacional da questão.

Serra foi quem primeiro deu nome aos bois. Não há solução duradoura para o problema que seja estritamente nacional. Por isso, a toque de caixa ele mobilizou as burocracias relevantes e as pôs para dialogar com suas contrapartes regionais.

Resta saber se o governo Temer manterá essa ênfase no devido lugar.


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