Folha de S. Paulo


Estratégia internacional de Trump não é errática nem irracional

Yin Bogu/Xinhua
Donald Trump discursa durante evento na Casa Branca

A maioria dos comentaristas enxerga nos anúncios de política externa de Trump um misto de ignorância e loucura. Radical e errático, o presidente poderia arrebentar o ordenamento internacional tal qual o conhecemos.

Há bons motivos para acreditar nessa tese. Afinal, o protecionismo gera inflação e reduz a produtividade. As barreiras à imigração contribuem para acirrar uma grave crise humanitária. Os ataques contra a União Europeia fortalecem a Rússia, e as ameaças à China podem forçar Pequim a reagir, numa dinâmica de conflito que pode ser desastrosa.

No entanto vale a pena fazer um exercício alternativo. Imagine por um momento que Trump não é louco nem errático, mas calculista e disposto a incorrer em riscos elevados para conseguir seu objetivo central: consolidar a autoridade política em casa e abrir o caminho para a própria reeleição, daqui a quatro anos.

De olho na própria sobrevivência política, Trump desenha uma diplomacia que lhe permite fazer várias coisas ao mesmo tempo. Para selar o apoio da fatia do eleitorado que o elegeu, um grupo muito volátil, entregará medidas protecionistas e contrárias à imigração.

Para conquistar ascendência sobre os eleitores tradicionais do Partido Republicano, impedindo o aparecimento de concorrentes, Trump oferecerá radicalismo. Afinal, ele ganha força cada vez que a moderação centrista perde. Protestos multitudinários de seus opositores lhe são benéficos.

A política externa de Trump também serve a outros propósitos. Trata-se de uma estratégia de unilateralismo e assertividade que tem antigo pedigree. Seu principal expoente foi o presidente Theodore Roosevelt (1901-09).

A filosofia diplomática de Trump consiste em sacudir o tabuleiro com vista a pôr os inimigos na defensiva, tirar os aliados da pachorra e conquistar novas posições. Não se trata de destruir o ordenamento existente, mas de arrumá-lo de forma a dar mais vantagens aos Estados Unidos.

Assim, Trump provoca o resto do mundo com movimentos propositadamente bruscos. Aproveitando sua posição de preponderância, os EUA se transformam na principal fonte de revisionismo.

Na aposta do presidente, uma União Europeia rachada levará os países europeus a se aproximarem de Washington de pires na mão. Uma Ásia sem um grande acordo comercial, idem. Se a China quiser custear deficit comerciais com seus vizinhos, pode até tentar, mas a equipe de Trump avalia que ela não conseguirá.

Trata-se de uma estratégia de alto risco e de curto prazo, que pode dar muito errado, gerando abalos, tremores ou destruição. Mas não é errática nem louca. Descartá-la como tal é fazer-lhe o jogo. Melhor é estudá-la em profundidade e, assim, combatê-la.


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