Folha de S. Paulo


Obama combateu vulgaridade no poder, mas legado diplomático é frágil

Scott Olson/Getty Images/AFP
Obama faz seu discurso de despedida em Chicago, nesta terça (11)
Obama faz seu discurso de despedida em Chicago, nesta terça (11)

A cena global é mais instável hoje que há oito anos, quando Barack Obama chegou à Casa Branca. Ele deixa o cargo no momento de maior tensão geopolítica desde a queda do Muro de Berlim.

Por esse motivo, na semana de sua despedida, seu legado como estrategista e comandante-em-chefe não é dos melhores.

A lista de problemas é longa. Sua política para a Síria contribuiu para um desastre humanitário e ainda abriu terreno para o Estado Islâmico. A intervenção na Líbia resultou num país falido, cuja crise humanitária, somada à dos refugiados sírios, ameaça rachar a União Europeia.

O uso de veículos não tripulados em guerras veladas testa o direito internacional, e as promessas iniciais de integração com o mundo islâmico e de redução dos arsenais nucleares não tiveram resultado.

A tentativa do presidente de engajamento com Moscou fracassou, a Coreia do Norte virou problema ainda maior e a tensão entre Israel e Palestina só piorou. O chamado pivô para a China é uma política sofisticada, mas não impediu Pequim de adotar uma postura belicosa em seu entorno.

Obama teve êxitos significativos, entretanto, como a restauração de canais com Havana e Teerã, Myanmar e Vietnã. Assinou um grande acordo multilateral sobre mudança do clima. Reverteu a hecatombe econômica herdada de seu antecessor, impedindo desfecho ainda pior. Mas esse legado é frágil e pode ser parcialmente revertido pelo sucessor. Se Trump fracassar em seu governo, essa avaliação negativa de Obama poderá mudar. Por enquanto, as críticas são válidas.

O problema delas, no entanto, é ignorar que nenhum governante controla as circunstâncias ao seu redor. Aquilo que o presidente americano domina são os protocolos pelos quais seus conselheiros, diplomatas e generais tomam decisões estratégicas. E nesse quesito, Obama foi exemplar.

Ao contrário de Bill Clinton, George W. Bush e Donald Trump, Obama deu batalha incansável à vulgaridade no exercício do poder. Vulgaridade significa um estilo decisório que ignora o contraditório, que rechaça a palavra de especialistas e que não ancora as escolhas mais complexas em procedimentos de testada excelência.

Durante oito anos, Obama enfrentou um mundo de turbulências sem tomar uma única decisão importante com base no capricho, na ignorância, na fé cega ou no preconceito. Contemplou alternativas de maneira explícita, e recusou-se a baixar o nível.

Ao rejeitar a vulgaridade típica das altas rodas, ele enfrentou os dilemas estratégicos de nossa época com profissionalismo. Como aprendemos no Brasil, onde a presidência virou sinônimo daquilo que há de mais vulgar, esse tipo de contribuição não tem preço.


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