Folha de S. Paulo


A verdadeira guerra contra o narcotráfico é contra a ignorância

As chacinas em Manaus, Boa Vista, Porto Velho e Rio Branco reacenderam o debate sobre encarceramento e sistema prisional. Como se viu, nem a construção de novos presídios, nem a privatização dos mesmos oferece soluções satisfatórias para a questão.

A resolução do problema demandará que a sociedade brasileira enfrente sem medo a causa fundamental: a nova e perigosa economia política do narcotráfico brasileiro.

Na última década, o Brasil virou um grande produtor, consumidor e polo exportador de drogas. A expansão bem sucedida desse negócio ilegal permitiu ao crime organizado assegurar a conivência de setores das forças policiais, de alguns políticos e até mesmo de agentes do Judiciário.

Autoridades somente poderão conter e reverter a situação quando fizerem um diagnóstico correto do que está acontecendo, e disso derivarem os métodos para estrangular a viabilidade econômica do negócio.

Tal diagnóstico demanda o reconhecimento de alguns pontos básicos. Primeiro, a experiência brasileira reafirma as lições já aprendidas em países como Colômbia e Afeganistão: políticas de erradicação do plantio de drogas estão fadadas ao fracasso. Assim, as declarações espetaculosas do ministro da Justiça a respeito da suposta erradicação da maconha representam o misto de propaganda enganosa e ignorância que tanto contribui para o quadro trágico que tem sido nossa política antidrogas.

Além disso, o crime organizado brasileiro é um fenômeno transnacional, mas suas conexões além-fronteira tem características bem específicas.

À diferença dos carteis da cocaína da Colômbia e dos barões da droga do México, que vivem de exportações para o mercado consumidor norte-americano, as facções do Brasil obtém seu lucro do consumidor nacional.

Seus tentáculos internacionais concentram-se no acesso a fornecedores confiáveis na Bolívia e no Paraguai. Isso significa que o Brasil precisará de uma diplomacia antidrogas capaz de coordenar o trabalho das agências regionais de inteligência e de controle de fronteiras, quiçá nosso maior desafio regional nos dias de hoje.

Equacionar o problema demandará, antes de tudo, conhecimento. Trata-se de uma área na qual os políticos de plantão facilmente viram charlatões.

Se o governo conseguisse montar uma força-tarefa para coletar o saber já acumulado por agentes públicos e especialistas, integrando esses resultados de forma séria e prioritária no Palácio do Planalto, teríamos condições de começar a vencer a guerra contra a ignorância que tanto mata.

Em posse do diagnóstico correto, daria para realizar a tarefa hercúlea, porém factível, de eliminar a praga do narcotráfico. Só isso vai acabar com a cultura de ilegalidade que degrada o sistema político.


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