Folha de S. Paulo


Competição entre Trump e grandes potências cria demandas para o Brasil

O mundo avança na direção de mais conflito e tensão geopolítica entre as grandes potências, mas seria um equívoco grosseiro debitar essa conta na eleição de Donald Trump. A vitória dele não é a causa do problema, mas seu sintoma mais notável.

Basta lembrar das promessas de Hillary Clinton. Ela pretendia aumentar a presença militar americana na Síria, armar a Arábia Saudita, fazer da Otan uma ponta de lança contra Rússia, restaurar o apoio sem reservas a Israel, endurecer o tom com a China e manter a intervenção de Obama em oito países diferentes.

Trump é um charlatão cuja visão do mundo é moralmente repugnante, mas os riscos à estabilidade global não começam nem terminam com ele. Há uma longa lista de fenômenos que põem em xeque as normas e instituições globais que conhecemos. Do comércio aos refugiados, das armas nucleares à mudança do clima, a globalização está em franca retração.

A onda de nacionalismo populista é coerente com esse retorno da geopolítica. As fraturas que ameaçam o edifício da globalização precedem essa tendência, mas são exacerbadas por ela.

Qual deveria ser a resposta do Brasil?

A primeira reação cabe à classe política brasileira, que precisa articular uma resposta decente à moda populista porque o charlatanismo de Ciro Gomes e Bolsonaro é real.

A segunda reação é instintiva: num mundo fraturado, a diplomacia brasileira buscará revalorizar as instituições do sistema internacional — das Nações Unidas à Organização Mundial de Comércio. A empreitada é nobre e, por isso mesmo, a decisão do Tesouro Nacional de pagar as dívidas pendentes deve ser celebrada. Mas apostar todas as fichas nesses foros seria frustrante, pois não é lá que o jogo mais importante será decidido.

Há duas medidas que o Brasil deveria considerar, agora que a competição ficou mais acirrada e perigosa com Brexit, Trump, os movimentos militares de Putin e a turbulência crescente em volta da China.

Precisamos melhorar a interlocução com todos os grandes centros de poder. Isso significa balancear nosso compromisso com os Brics com mais interação com Berlim, Tóquio e Washington. O mundo da hegemonia americana que demandava laços preferenciais com Moscou e Pequim não existe mais em seu formato original.

Também precisamos voltar a investir no projeto regional. Em tempos de competição geopolítica global, é crucial que tenhamos uma América do Sul arrumada e sem surpresas. Ontem mesmo deu-se um passo fundamental: o Brasil sediou um encontro com vizinhos para enfrentar o problema das fronteiras sem firulas. Resolver essa questão tão complexa é uma precondição para avançar.


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