Folha de S. Paulo


Crise na Venezuela pode virar combustível nas eleições de 2018

Christian Veron/Reuters
Manifestação pelas ruas de Caracas, na Venezuela, para exigir a realização de um referendo sobre a deposição de Nicolás Maduro
Manifestação em Caracas, na Venezuela, para exigir um referendo sobre a deposição de Nicolás Maduro

O chavismo fez nesta semana uma de suas apostas mais arriscadas ao rejeitar o referendo revogatório previsto em lei. Se a operação for exitosa e se não houver uma revolta popular até 2018, a Venezuela poderá virar o principal problema de política externa na nossa própria corrida presidencial.

Quando Hugo Chávez morreu, há três anos, seu grupo passou a temer uma derrota nas urnas ou uma deposição forçada. Sem líder carismático e com a renda do petróleo no chão, o chavismo entrou em modo de sobrevivência.

A estratégia chavista foi escalar o autoritarismo para além do que Chávez já fizera. O governo montou uma parceria com setores das Forças Armadas para trocar apoio do aparelho repressivo por setores inteiros da economia — os militares hoje controlam das receitas do petróleo à distribuição de remédios, da provisão de comida ao contrabando e ao narcotráfico.

O chavismo aprendeu que era possível governar mesmo sem ter apoio popular ou dinheiro, e a despeito de uma crise social galopante. Assim, prendeu opositores, reprimiu a mídia independente, tirou poderes do Parlamento eleito, suspendeu eleições para governador e proibiu líderes oposicionistas de deixarem o país. Nos últimos meses, acelerou essas manobras porque os ventos de fora sopram a seu favor.

Barack Obama precisa de calmaria na Venezuela durante os próximos meses porque uma crise social daria munição à campanha de Donald Trump, em detrimento da candidatura de Hillary Clinton e de sua provável posse, em janeiro. Por esse motivo, Obama chegou a despachar um emissário de alto nível para tirar fotos ao lado de Maduro.

Fortalecido, Maduro rejeitou o referendo revogatório e embarcou para Roma em busca de um beneplácito papal. No próximo domingo (30), sob os auspícios do pontífice, ele encontrará a oposição. Como a diplomacia do Vaticano já prevê, no entanto, a reunião será um jogo de cena para desinflar os protestos planejados para as próximas semanas. Nessas circunstâncias, quando Macri e Temer suspenderem a Venezuela do Mercosul, no início de dezembro, a medida será inócua.

Enquanto isso, a vida pública na Venezuela degringola. O índice de mortalidade infantil superou o da Síria, e há quem prenuncie uma séria crise humanitária.

Qual o impacto disso para o Brasil?

Um fluxo crescente de famílias venezuelanas vem aqui suprir suas necessidades básicas de alimentação e saúde. Sem mudanças em Caracas, essa imigração tende a aumentar, porque a economia não será estabilizada.

No Brasil, haverá quem busque instrumentalizar o assunto por motivos eleitoreiros. Problema migratório na fronteira é um combustível irresistível.


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