Folha de S. Paulo


Vitória diplomática do governo Temer na Venezuela cria novos desafios

Boris Vergara - 5.ago.2016/Xinhua
Militares venezuelanos hasteiam bandeira do Mercosul em Caracas para marcar presidência do bloco
Militares venezuelanos hasteiam bandeira do Mercosul em Caracas para marcar presidência do bloco

O governo Temer obteve sua primeira vitória diplomática no início da semana, quando os membros fundadores do Mercosul encontraram uma fórmula consensual para isolar o regime da Venezuela. Resolvida a questão, abre-se o desafio de reformar a política externa para a América do Sul.

Essa reforma é inescapável porque o conceito estratégico que guiava a diplomacia brasileira nos últimos anos caducou. Tratava-se de uma área de consenso entre Lula e FHC. Ambos aspiravam a organizar o espaço sul-americano por meio de grandes projetos de infraestrutura capazes de regionalizar o capitalismo brasileiro. Buscavam consolidar o país como grande exportador, importador, credor e investidor em seu entorno geográfico. Ambos pretendiam fazer contrapeso aos Estados Unidos na vizinhança.

Esse conceito orientou a criação de instituições regionais que pudessem incorporar um número crescente de países. Orientou ainda a provisão de crédito do BNDES para empreiteiras e empresas brasileiras interessadas em fazer obras e comprar ativos na região.

Muito exitosa em seus melhores momentos, essa estratégia hoje encontra-se vencida. As instituições criadas conseguiram resolver problemas coletivos apenas de modo parcial e o binômio BNDES/empreiteiras foi exposto pela Lava Jato. O projeto ainda encontrou resistências inesperadas à esquerda e à direita, em quase todos os países da região.

Por esses motivos, a sociedade brasileira terá de conceber uma nova maneira de gerir seus desafios regionais. Se o fizer com base num conceito estratégico bem pensado, recuperará terreno e não ficará a reboque de eventos que não controla. Sem isso, dependerá sempre do improviso.

Um novo conceito estratégico precisará insistir na regionalização do capitalismo brasileiro, dados os ganhos a realizar. Mas será forçado a reconhecer que uma política exitosa tem de lidar sem medo com ameaças transnacionais, tais como narcotráfico, contrabando de mercadorias e de armas de fogo, crime organizado, mudança do clima e controle sanitário. Esse conceito atualizado terá de enfrentar a questão da presença crescente e problemática da China na América do Sul.

Esse conceito precisará imaginar instrumentos de política externa capazes de recompor a imagem do BNDES na vizinhança e de reposicionar as empreiteiras brasileiras depois que a Lava Jato passar. Imagem e comunicação serão cruciais para seu êxito.

A nova estratégia será obrigada a promover a convergência regulatória sem a qual o capital brasileiro enfrentará dificuldades. E terá melhores chances de vingar se souber mitigar as resistências inevitáveis a um Brasil em vias de recuperação.


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