Folha de S. Paulo


Equívocos na comunicação do governo comprometem agenda de reformas

Beto Barata/PR
Hangzhou - China, 02/09/2016. Presidente Michel Temer durante encontro com o presidente da República popular da China, senhor Xi Jinping, na casa de hospedes oficial do Lago Oeste. Foto: Beto Barata/PR ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O presidente Michel Temer durante encontro com o presidente da China, Xi Jinping

Quando Michel Temer e seu grupo decidiram apostar na queda de Dilma, talharam uma estratégia para convencer quem mais importava: a maioria parlamentar necessária para aprovar o impeachment. O projeto oferecia um diagnóstico do país e apontava um rumo.

Iniciado o interinato, a turma já tinha o plano de governo bem montado. Seu objetivo era claro: "Pôr o Brasil nos trilhos, até 2018". Sua estratégia passava por três grandes reformas: ambiente regulatório, viabilidade fiscal do Estado e melhoria do gasto em políticas sociais. A tática escolhida foi a adoção de uma atitude inequivocamente reformista, aproveitando o esfacelamento do PT e de seu legado econômico.

Tratava-se de um plano para chegar ao poder e exercê-lo com eficácia até 2018, apesar dos riscos da Lava Jato. O mercado comprou a ideia, assim como boa parte das instituições e corporações que comandam a vida nacional.
Encerrado o interinato, porém, o desafio é convencer a sociedade da validade da mensagem presidencial: o Brasil só entrará nos trilhos se fizer reformas difíceis, mas necessárias.

Ocorre que, no quesito de comunicação social, o governo está patinando. Primeiro, lançou um slogan contraditório com sua própria mensagem: em vez de reforma, "Ordem e Progresso" prega restauração e conservação. Na sequência, apresentou uma proposta econômica sem introduzir um plano igualmente ambicioso para melhorar de modo palpável a qualidade das políticas sociais.

Esse desalinhamento entre mensagem e ação também ocorre na área externa. Em vez de anunciar a longa lista de ajustes diplomáticos necessários para "pôr o país nos trilhos", a agenda até agora limitou-se a reagir aos vizinhos bolivarianos e a prometer acordos comerciais (compromisso temerário, dado o aumento de protecionismo generalizado).

A reação do grupo palaciano aos protestos do último fim de semana e às imagens indignantes de abuso policial revelam que a ficha ainda não caiu. Em vez de reagir com uma promessa de reforma, viu-se reação de perplexidade análoga àquela do governo Dilma, em 2013. Diante do "Fora Temer", a solução reativa e insossa do novo governo foi o incorrigível "Bora Temer". Diante de expressões bem pensadas pela esquerda como "PEC do Estado Mínimo" e "Nenhum Direito a Menos", o silêncio.

O governo Temer não está sozinho na dificuldade de comunicar seu projeto à população. Macri na Argentina e Peña Nieto no México também patinam com ações desconectadas das mensagens estratégicas que lhes permitiram chegar ao poder.

Se a direita latino-americana prometia enorme capacidade de aglutinação depois de uma década à esquerda, seu futuro cada vez mais parece ser uma incógnita.


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