Folha de S. Paulo


Política do governo para a Venezuela não é 'diplomacia do porrete'

Carlos Lebrato/Anadolu/Getty Images
Fachada do prédio que abriga sede do Mercosul, em Montevidéu, onde países se reuniram
Fachada do prédio que abriga sede do Mercosul, em Montevidéu

Há três semanas, quando José Serra endereçou uma carta aos chanceleres do Mercosul declarando a presidência pro tempore do grupo vaga, estava em curso a principal ruptura com a diplomacia regional do governo Dilma.

Segundo o antigo paradigma, o Brasil deveria tolerar o chavismo, apoiando-o em foros multilaterais sempre que possível ou guardando silêncio quando o apoio explícito fosse inviável. Acreditava-se que, dessa forma, Brasília teria condições de influenciar Caracas em conversas ao pé do ouvido, longe dos holofotes. Denunciá-la seria fazer o jogo da oposição venezuelana, ela mesma carente de credenciais democráticas. Seria também fazer o jogo dos americanos e do tucanato.

Agora, o novo governo brasileiro optou por deixar explícitas as suas divergências com o chavismo, dificultando-lhe a vida nos foros multilaterais sobre os quais o Brasil tem ascendência.

Essa postura argumenta ser impossível fazer qualquer gestão de bastidor efetiva junto ao chavismo, que luta pela própria sobrevivência e, portanto, não vai recuar da escalada autoritária que é hoje sua única cartada. Em tais circunstâncias, cabe ao Brasil deixar claro que não assistirá calado ao processo de destruição em curso.

Muita gente apressou-se ao denunciar o gesto como uma perigosa "diplomacia do porrete", mas tal crítica é imprecisa. Afinal, o Brasil não está ameaçando a Venezuela de suspensão ou expulsão do grupo. Não está impondo sanções, nem oferecendo apoio financeiro às forças da oposição. Não está forçando a cobrança de dívidas, nem denunciando Caracas mundo afora. Não foram acionadas a PF ou a Interpol na caça àqueles expoentes do chavismo envolvidos em negócios espúrios no Brasil. Nada na decisão é incendiário ou intervencionista.

Vale lembrar que, nos últimos 30 anos, o Brasil optou por organizar o espaço sul-americano pela primeira vez na sua história. Aceitou fazê-lo sempre que os custos da operação fossem baixos e de pouco risco.
Assim, quando militares golpistas se aquartelaram no Paraguai, FHC lhes impôs uma cláusula democrática e falou duro com o governo de plantão. Quando Chávez começou a caçar a oposição, Lula forçou a barra até sentá-lo à mesa com o governo americano. Ao impedir a posse venezuelana da presidência do Mercosul, Temer aciona esse mesmo repertório. É um sinal às claras e em tom vigoroso, mas de baixo custo.

Argentinos e paraguaios seguiram o Brasil a reboque. Dividido, o governo uruguaio fez barulho inicial, mas já encaminha seu ajuste. Isolada, Caracas denuncia a nova postura com o dedo em riste.

O problema da nova política não é o radicalismo, mas isso é assunto para outra coluna.


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