Folha de S. Paulo


Caiu do céu

Michel Temer embarcou no projeto mais ambicioso de reforma do gasto público de que se tem notícia. Se der certo, a economia voltará a andar e a desigualdade a diminuir.

Só que a empreitada enfrenta obstáculos por todos os lados. O mais recente deles acaba de cair do céu: o comando da Aeronáutica pretende criar uma estatal aeroespacial para construir satélites e radares, apesar de não ter experiência na área. Os defensores da ideia dizem ser uma forma de garantir repasses do Tesouro nestes anos de escassez.

Ocorre que a ideia reproduz os velhos vícios que condenaram o programa espacial brasileiro ao atraso: um cheque em branco para uma empreitada de resultado duvidoso e sem garantia de receitas, que ainda incentiva a canibalização entre Aeronáutica, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Telebras e outras.

O resultado? Bilhões de reais gastos num programa que não põe satélite em órbita, nem dá conta das demandas nacionais por banda larga e segurança nas comunicações militares. Enquanto o Brasil amarga esse modelo ineficiente, a Argentina conseguiu fazer mais com menos: dedicado à prestação de serviços comerciais, o programa deles decolou.

Criar uma nova estatal agora é insistir no erro, como afirmam em caráter reservado oficiais graduados da própria Aeronáutica. Isso ocorre porque o desenvolvimento tecnológico de ponta em áreas sensíveis demanda gestão profissionalizada, parcerias público-privadas e laços internacionais num modelo orientado para as demandas do mercado. Ignorar isso é jogar dinheiro do contribuinte no espaço.

Espera-se que o Planalto mate a ideia no peito. Se Temer o fizer, terá de oferecer algo em troca.

Há uma solução prática para o problema. Trata-se da abertura da base aérea de Alcântara para a comercialização internacional de lançamentos espaciais, um lucrativo mercado global do qual estamos fora por pura autoflagelação. Para viabilizar o negócio, basta que o Brasil assine um acordo de salvaguardas com os Estados Unidos.

Esse acordo foi negociado em 2002 pelo governo FHC, mas morreu antes de nascer pela oposição parlamentar do PT, que o chamou de manobra entreguista. Nada poderia ser mais falso: o texto foi uma grande vitória do Itamaraty da época. Como ficamos sem acordo, porém, Alcântara continuou paralisada, obsoleta e impossibilitada de realizar seu potencial.

As condições estão postas para uma atualização daquele acordo. Ao destravar Alcântara, o governo teria os recursos para satisfazer as necessidades da Aeronáutica sem onerar o Tesouro Nacional. E, mais que isso, o programa espacial obteria o fluxo financeiro necessário para sair do estado lamentável em que se encontra.


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