Folha de S. Paulo


Temer não intervém

Michel Temer não vai liderar o movimento internacional contra a escalada autoritária na Venezuela. Tampouco será protagonista do processo de denúncia global dos desmandos da máfia que hoje controla o governo e as forças armadas daquele país. Mesmo podendo usar essa área sensível da política externa para marcar diferenças com o PT, o presidente manterá uma postura de aversão ao risco.

O motivo disso é a crença arraigada em Brasília sobre os enormes custos embutidos numa empreitada dessa natureza.

Sabe-se que o regime venezuelano opera em modo de sobrevivência e está, portanto, disposto a chegar às últimas consequências. Nicolás Maduro disse estar disposto a resistir com tudo, se necessário for.

Nessa situação, Brasília não tem instrumentos suficientes para exercer pressão efetiva sobre Caracas. A suspensão da Venezuela do Mercosul ou da OEA podem até ocorrer, mas terão pouco efeito prático sobre as decisões do governo que lá está.

Além disso, os interesses materiais mais imediatos do Brasil estão protegidos, pois Brasília precifica essa crise há tempos. Se houver calote da dívida, os empréstimos ainda abertos do BNDES serão protegidos por um mecanismo de garantias. Quem levará a principal tungada será a Odebrecht, mas ela sabia onde estava se metendo.

Tem mais. Nenhuma força política brasileira acredita que o Planalto tem responsabilidades especiais pelo destino da Venezuela em função do passado de conivência com o chavismo. Ninguém atribui ao Brasil a obrigação de tomar a dianteira de uma ação coletiva, liderando o esforço de instituições como Mercosul, OEA, Vaticano e União Europeia.

É por esses motivos que o governo brasileiro deixará a crise venezuelana correr seu curso. Adotar postura ativa seria como meter as mãos num vespeiro cruento, sem proteção ou possibilidade de fuga.

Nem sempre foi assim. O Brasil fez numerosas intervenções político-diplomáticas em crises da vizinhança sul-americana. Durante a ditadura, apoiou com determinação regimes amigos em países como Bolívia, Chile e Uruguai. Na democracia, Lula participou de campanhas políticas de países vizinhos e ajudou a impedir uma ruptura na Bolívia. FHC forçou a mão para impedir duas quarteladas no Paraguai.

Em todos esses casos, porém, Brasília estava atendendo ao pedido explícito de pelo menos uma grande força política local. E a intervenção era talhada para ter custo político mínimo para o ocupante do Palácio do Planalto.

Tais condições não existem na Venezuela de hoje. Nenhuma força de lá está pedindo uma intervenção do presidente brasileiro. E para este, ainda interino, um movimento arriscado no estrangeiro seria tão imprudente quanto dar um salto no escuro.


Endereço da página:

Links no texto: