Folha de S. Paulo


Mulheres diplomatas

É sério o problema de gênero no Itamaraty.

O Brasil tem mulheres diplomatas há cem anos, mas até hoje elas representam menos de um quarto do quadro.

Como o ministério não tem mecanismos para proteger essa minoria, o resultado é o que é. Este ano, dos cinco diplomatas recém-promovidos a embaixador, nenhum é mulher. Entre os dez novos ministros, uma mulher. A lista de ramais do ministério revela que, via de regra, mulher ali não manda nem ocupa posição de liderança. Não há mulher diplomata no gabinete do chanceler.

O machismo institucionalizado tem raiz profunda. Quando o ex-ministro Celso Amorim promoveu mulheres a cargos de chefia, os porta-vozes do atraso alertaram para o risco de serem promovidas funcionárias incompetentes. Nada disseram, claro, sobre a promoção de homens de sabida incompetência.

Num ambiente assim, existe ampla tolerância ao assédio e à discriminação de gênero. Há numerosas histórias de arrepiar, mas quem reclama compromete a carreira.

Isso dito, há boas mudanças. Um grupo informal de mulheres está transformando a maneira como a questão é tratada no ministério, ao passo que avança um comitê formal para promover igualdade de gênero (e raça).

As resistências existem. "Essas meninas vão dividir o Itamaraty", diz um embaixador. Quando um texto sobre o assunto vazou, um chefe concluiu: "Isto é um ataque ao ministério". Como sempre, o atraso reage mostrando os dentes.

A maior agressão contra o Itamaraty é lotar em cargos de relevo homens com passagens pela polícia por agredir colegas de trabalho e/ou parceiras. Afinal, uma brasileira é assassinada a cada 90 minutos, metade das vezes por estrangulamento ou uso de objetos cortantes. Dividir o Itamaraty é fazer vista grossa à cultura de assédio que atormenta algumas diplomatas e muitas oficiais de chancelaria. Cultura importa: não é só que o SUS atende 405 casos de violência doméstica e sexual por dia, mas metade das vítimas de estupro tem menos de 13 anos (dois terços dos agressores são familiares, amigos ou conhecidos).

Quando uma mulher do Itamaraty sente que o toque impróprio, a ameaça velada, a tungada de um colega desvairado ou as travas informais à progressão profissional ficam por isso mesmo, tolhe-se a capacidade do ministério de defender os interesses de uma sociedade que ainda está em dívida com as suas mulheres.

Vai mudar?

Muito dependerá do atual chanceler. Ele pode ouvir as novas iniciativas com interesse. Ou pode fazer de conta que ouve e deixar tudo como está.

O caminho do progresso é claro.


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