Folha de S. Paulo


A questão externa

Estamos no fundo do poço, e aqui ficaremos durante algum tempo. A conta paga pela sociedade brasileira, já se vê, será enorme.

Também será enorme o vazio conceitual que fica. Afinal, a crise põe em xeque a dobradinha entre estabilidade econômica e redistribuição de renda que é âncora da política brasileira há 20 anos.

Poucas áreas sofrem mais esse vazio que a externa. Se a "nova matriz econômica" prometia gerar poder e autonomia, terminou produzindo fraqueza e dependência. De quebra, a Lava Jato jogou por terra a principal aposta internacional dos últimos anos –a globalização do capitalismo brasileiro por meio de financiamento público maciço.

É nesse contexto de vazio conceitual que se impõe a questão externa: quais os meios de atuação no exterior que as autoridades brasileiras precisam desenvolver para lidar com as pressões do sistema internacional?

O governo tem respondido como pode. Em algumas instâncias, com celeridade: é notável, por exemplo, a guinada comercial em direção a parceiros antes improváveis, como Colômbia, México e Peru.

Em outras áreas, domina o improviso. É o caso da implementação da Lei de Acesso à Informação no Itamaraty, tema com implicações sérias para o futuro da República. Apenas nos dois últimos meses, o ministério abriu informações que a lei manda fechar e fechou informações que a lei manda abrir.

Nesse ambiente, a demanda por novas visões de política externa é vasta. Sua oferta, porém, é escassa.

A militância pró-governo, que no passado ajudou com ideias boas a legitimar e fortalecer a diplomacia lulista, encontra-se hoje paralisada. Repete chavões vazios e nada diz de novo ou prático sobre como fazer deste mundo um lugar menos injusto para a maioria dos brasileiros. Silencia sobre o lado podre de nossa política africana e de direitos humanos. E quando o tema é Nicolás Maduro, há grupos que chegam a ensaiar um apoio envergonhado.

A oposição não faz melhor. Ouve-se ali a ladainha de sempre, segundo a qual, em relações internacionais, este governo seria a vanguarda do atraso. Alternativas realistas, porém, não há. Na prática, nenhuma figura de oposição conta hoje com interlocução genuína de primeiro nível junto ao governo ou à oposição em Buenos Aires, Caracas, Bogotá, Lima e Washington.

Caberá à sociedade brasileira desenvolver ideias próprias sobre o futuro de nossa estratégia internacional de forma espontânea e não-tutelada.

A cada semana, esta coluna cobrirá os temas que caracterizam a disputa pela melhor maneira de instrumentalizar o ambiente externo para tirar o Brasil do atoleiro em que se encontra.


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