Folha de S. Paulo


Brasil ganhará cacife político se entender melhor sua diáspora nos EUA

O número de brasileiros que emigram para os EUA cresceu com força nos últimos anos. Estima-se uma comunidade de mais de um milhão de pessoas e seus filhos.

Essa diáspora é cada vez mais influente na vida política americana.

Sua renda média é superior à da população latina, branca não hispânica e negra não hispânica, perdendo apenas para a comunidade asiática.

Mais de um terço de seus membros é rico, com renda familiar acima de US$ 100 mil ao ano, ao passo que as taxas de desemprego são menores que as de qualquer outro grupo étnico ou racial.

Trata-se de gente com muitos anos de educação formal: entre adultos, quase 30% dos homens e 35% das mulheres completaram a graduação. Apenas 10% não terminaram o ensino médio e 80% dizem dominar a língua inglesa.

Via de regra, a maioria dessas pessoas mantém o hábito de falar português em casa. Mesmo quem está nos EUA há anos acompanha o noticiário brasileiro de perto.

Esse grupo está cada vez mais organizado. A lista de associações espontâneas de brasileiros nos EUA hoje inclui dezenas de grupos dedicados a atividades profissionais, religiosas, esportivas e filantrópicas.

Boa parte dessa comunidade está adquirindo direito ao voto em eleições americanas pela primeira vez. Nos próximos anos, ganhará voz e peso próprio num conjunto relevante de distritos eleitorais.

Editoria de Arte/Folhapress

Até hoje, nenhum governo brasileiro traçou o perfil dessa população, condição necessária para mobilizá-la quando necessário. (Os dados aqui citados, levantados pelos dois governos, por exemplo, poderiam ser expandidos e atualizados.)

Fazê-lo não seria custoso porque a diáspora é altamente concentrada: quase todo mundo sai de Goiás, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Quase todo mundo se instala em Califórnia, Flórida, Massachusetts, Nova Jersey e Nova York.

Dilma Rousseff e Barack Obama deveriam aproveitar seu encontro no próximo dia 30 para encomendar um estudo detalhado ao censo americano, em parceria com IBGE, Ipea e Itamaraty.

Uma iniciativa dessas permitiria conceber programas dedicados a ampliar a contribuição da comunidade para a qualidade da relação entre os dois países.

Outros governos já operam dessa forma. As embaixadas de China, Colômbia, Índia, Irlanda, Israel, Turquia e Ucrânia trabalham com afinco para fazer de suas respectivas diásporas o tipo de força política que ninguém em Washington pode se dar ao luxo de ignorar.

Do ponto de vista do Planalto, o objetivo de uma política de engajamento com a comunidade brasileira nos EUA não é resolver problemas diplomáticos nem revolucionar a natureza da relação entre os dois governos.

Antes, trata-se de criar uma reserva de boa vontade em relação ao Brasil que hoje inexiste no sistema político americano. Dessa maneira, o dia que a próxima crise diplomática estourar, haverá algodão entre os cristais

MATIAS SPEKTOR, doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford, é professor da FGV. Siga no Twitter @MatiasSpektor.


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