Folha de S. Paulo


Virtudes do contorcionismo

O governo acaba de fazer um gesto diplomático da maior importância: anunciou que vai assinar um acordo marco com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube de democracias de mercado que adota disciplinas comuns para seus membros (e parceiros externos, como o Brasil).

A iniciativa é de Joaquim Levy e merece aplauso prolongado. A decisão da nova chefia do Itamaraty de apoiar a causa também.

No passado, quando Lula e FHC tentaram se aproximar da OCDE, enfrentaram a oposição cerrada daquelas forças à esquerda e à direita que operam para transformar o Brasil numa taba.

Hoje, o país adere a 15 instrumentos da OCDE, um verdadeiro arsenal jurídico contra o atraso. Os acordos estabelecem padrões para promover transparência nas contas do governo, políticas sociais inteligentes e medidas práticas de combate à corrupção no setor público e em empresas privadas.

Os maiores beneficiados são organismos como Ministério Público, Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União, Polícia Federal e Banco Central.

A implementação desses acordos é sempre difícil. FHC, por exemplo, assinou com a OCDE uma convenção para o combate ao suborno. Quatorze anos depois, um relatório oficial do próprio organismo e uma avaliação independente mostravam que quase nada havia sido colocado em prática (não só por culpa do Executivo).

No dia em que esses compromissos forem implementados, ficará mais difícil para um fundo de pensão usar dinheiro público na compra de papéis podres no exterior. O BNDES será forçado a aceitar controles sobre suas operações internacionais.

E a "campeã nacional" que distribuir envelopes pardos em Quito ou Luanda pagará pela falcatrua. Este acordo com a OCDE chega na melhor hora, pois o cidadão começa a sentir no bolso o custo econômico da corrupção.

Para decolar, no entanto, o acordo precisará de apoio engajado da Presidência da República e de um ministro da Fazenda empenhado na causa. Juntos, eles terão de defender a exposição do setor público brasileiro àquilo que se faz na OCDE.

O projeto também demandará a aceitação de gente graúda em campo opositor. Sem adesão tucana, a aproximação à OCDE será uma luta ladeira acima contra as forças de sempre.

O melhor nome para a empreitada é Aloysio Nunes (PSDB-SP), novo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal e líder da oposição.

Mentor da CPI dos fundos de pensão, ele tem interesse no assunto. No cargo que ocupa, possui o poder de convocatória para colocar a relação com a OCDE na agenda e mantê-la lá.

Não seria a primeira vez em nossa história que forças opostas do espectro político se unem para avançar interesses internacionais do país.

Nesse cenário, a diplomacia brasileira precisaria fazer da transparência um valor da política externa, coisa inédita. Também seria forçada a exercitar o contorcionismo para acomodar as inevitáveis pressões contraditórias. Melhor ginástica não há.


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