Folha de S. Paulo


Nem dirigir a palavra

Na reunião do núcleo político da semana passada, Aldo Rebelo sugeriu a Dilma se aproximar de Obama para tirar vantagem do aquecimento da economia americana.

Faz sentido: se o comércio bilateral cresceu 20% nos últimos quatro anos sem que os governos fizessem nada de novo, imagine o que aconteceria se houvesse uma estratégia.

"Você está louco?", teria perguntado o ministro Miguel Rossetto, segundo revelou uma fonte à revista "Época".

"Não pode falar com Obama porque ele está judiando do [presidente da Venezuela, Nicolás] Maduro. Não pode nem dirigir a palavra ao Obama!"

A tese segundo a qual a melhor forma de gerir nosso conflito de interesses com os americanos é suspendendo o diálogo não é nova.

O general Ernesto Geisel recusou cinco convites sucessivos para visitar a Casa Branca porque temia ser constrangido por denúncias contra a tortura e o programa nuclear, e pensava que o regime talvez não tivesse força suficiente para disputar às claras.

No entanto, a tese está equivocada. Sempre que o Brasil optou por esquivar-se do diálogo diplomático difícil com os Estados Unidos, ficamos isolados, perdemos força, e nossa dependência em relação a Washington, ao invés de diminuir, aumentou.

Negar diálogo ao presidente americano tem lá seu atrativos para qualquer político profissional. Embora a postura denote medo do bom embate diplomático, é fácil travesti-la com as roupagens do nacionalismo indignado. Quem paga o custo, claro, é o cidadão.

Esse risco existe hoje. Por quê?

Porque sair da crise econômica e financeira em que nos encontramos demandará canais de comunicação desimpedidos com o Tesouro dos Estados Unidos e com Wall Street.

Porque o problema venezuelano fica mais difícil e intratável cada vez que Washington e Brasília desistem de trabalhar em parceria.

Porque, neste mundo multipolar, a única força capaz de reverter a tendência natural à instabilidade entre os principais centro de poder é a labuta paciente da diplomacia.

Dialogar com os Estados Unidos não significa ficar de quatro diante de um poder superior. Senão, tome-se o exemplo alemão.

Quando o ex-técnico da NSA Edward Snowden revelou a espionagem americana, ouviu-se o brado da chanceler Angela Merkel em Berlim. Dias depois, ela fez da crise uma oportunidade: em vez de dar um gelo em Obama, arrancou-lhe concessões polpudas, inclusive no quesito dos arapongas.

Em Brasília, Dilma bradou no mesmo tom. Mas ficou por isso só. Quando pediu algo a Obama, foi justamente aquilo que ele não pode dar: um pedido formal de desculpas e a promessa de nunca mais espionar.

Como a diplomacia está prisioneira da crise política e da estagflação, o momento é de ginástica no calabouço.

A conjuntura pede que a política externa oriente a energia de que dispõe de maneira racional.

Daqui a dez dias, ao encontrar Obama no Panamá para a Cúpula das Américas, Dilma terá mais uma chance de avançar.


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