Folha de S. Paulo


Engenharia de transição

O estudo da passagem de poder de um governo para outro é profissão antiga.

Entre o Édipo de Sófocles e o rei Lear de Shakespeare, passando pelo "Livro dos Reis" da Bíblia, há 2.000 anos de sabedoria. De lá para cá, o conhecimento acumulado cresceu de modo exponencial.

Quem se interessa pelo tema apreciará o magistral "The Passage of Power", escrito por Robert Caro (US$ 12,40 em formato e-book).

É a história das manobras de Lyndon B. Johnson para assumir o controle da Casa Branca após o assassinato de John F. Kennedy, em 1963, e, em seguida, eleger-se presidente pelo voto popular. Os roteiristas do seriado "House of Cards" usaram o material à exaustão.

Embora não exista receita para uma sucessão perfeita, três áreas merecem destaque na literatura especializada.

Promessas de campanha - Poucos políticos conseguem entregar o que prometem durante os meses de campanha. Por isso, a maioria deles usa a transição para ajustar as expectativas do eleitor para baixo. Nesse processo, vence quem consegue oferecer uma versão diluída da promessa original. Quem se elege, mas faz o exato oposto do que prometeu, paga custo alto.

Gestão da equipe - Há três erros mais comuns. Primeiro, indicar um ministro, mas não nomeá-lo, expondo-o ao ataque de predadores que o fazem dessangrar em praça pública. Segundo, alimentar dúvidas sobre a divisão de tarefas entre os ministros da nova equipe, fomentando entre eles não uma competição saudável, mas uma cizânia paralisante. O terceiro equívoco é apresentar aos novos ministros planos elaborados por seus antecessores.

Juntos, esses problemas reduzem a agilidade da equipe do presidente eleito e abrem as comportas para uma enxurrada de vazamentos à imprensa.

Relações internacionais - O poder de um presidente eleito vem do mandato popular. No entanto, nada agrega mais autoridade ao projeto político consagrado nas urnas do que o reconhecimento por terceiros países. Por isso, presidentes eleitos sempre buscam explorar os rituais da diplomacia. Ao viajar ou encontrar outros chefes de governo durante o período de transição, consolidam sua força em casa.

Na história da República brasileira, houve muitas transições bem administradas.

Uma das mais exitosas foi a coreografada troca de comando entre tucanos e petistas em 2002.

Agora, em 2014, a realidade é outra.

Nesses primeiros 31 dias da transição que corre, a equipe presidencial tropeçou na hora de anunciar a equipe econômica.

Deixou circular a imagem melancólica da presidente reeleita no encontro do G20, almoçando em silêncio, quase sozinha, não fosse a presença cabisbaixa de Putin.

Nos 35 dias que restam até o início do novo mandato, a equipe da presidente faria bem em tomar nota das lições do passado.

A engenharia desta transição importa, porque o novo governo vai começar com a vitória mais apertada da série histórica, e o mal-estar econômico e social não parece arrefecer.


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