Folha de S. Paulo


A Casa Branca de Dilma

O governo americano soltou nota sobre a reeleição de Dilma menos de 24h depois do pleito.

No dia seguinte, houve telefonema do presidente Barack Obama e, uma semana depois, de Joe Biden, o responsável pelo Brasil em Washington.

Ambos disseram à presidente querer remarcar logo a data da visita de Estado suspensa. O momento da proposta, respondeu a presidente Dilma ao telefone, é "extremamente oportuno".

Quando ocorrer, a visita ajudará a tirar a relação bilateral do buraco onde se encontra desde o escândalo da espionagem.

O trabalho diplomático será árduo porque os dois países ficaram sem o principal mecanismo capaz de servir como âncora e alavanca da relação nos próximos anos: o contrato bilionário para os jatos da Boeing que, na concepção original, facilitaria o engajamento muito além da mera cooperação militar.

Além disso, vigora hoje um ceticismo profundo no establishment americano a respeito do Brasil.

Não se trata apenas do mal-estar causado pela chamada "nova matriz econômica".

Na percepção norte-americana, em temas candentes como Estado Islâmico, Síria, Líbia, Irã, Rússia e comércio internacional, a atitude brasileira é imprevisível ou obstrucionista.

Por que, então, a insistência na visita de Estado?

Um fator, claro, é dinheiro. O comércio entre os dois países mais que dobrou em 12 anos e os fluxos de investimento são bárbaros, mas há espaço para muito mais.

Além disso, ninguém em Wall Street teme um calote brasileiro.

Outro fator é político. Obama aproxima-se do fim do mandato com uma economia fortalecida, mas com uma base política esfacelada.

Assim, está obcecado pelo legado que deixará nos livros de História. Em pelo menos duas instâncias -energia e mudança do clima-, poucos países emergentes têm mais a oferecer que o Brasil.

Claro, há entraves enormes para a cooperação. A promessa original do etanol, por exemplo, afundou diante do pré-sal.

A promessa do engajamento em tecnologia esbarra até hoje em camadas de burocracia. O custo de tentar, porém, é baixo.

Um fator adicional é a América do Sul. Ali, Brasil e Estados Unidos têm posições diferentes, mas não são adversários.

Pelo contrário, Washington aprendeu que não vale a pena se chocar de frente com Brasília nesses temas, sendo melhor tirar vantagem da capacidade brasileira de ter relações positivas com toda a vizinhança (apesar das divisões que racham a região e das tensões existentes entre o próprio Brasil e seus vizinhos).

Na perspectiva americana, isso importa porque Dilma poderá ter papel positivo nos dois testes regionais de 2015 -o fim do ciclo kirchnerista na Argentina e as eleições parlamentares do chavismo na Venezuela, áreas onde a influência americana é ínfima ou negativa.

A ida de Dilma à Casa Branca repetirá o padrão bilateral dos últimos anos -discórdia temperada por boa dose de acomodação. Podia ser bem pior.


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