Folha de S. Paulo


Política externa da polarização

A polarização entre PT e PSDB completa 20 anos com dois trunfos e um problema. O primeiro trunfo é o de organizar o emaranhado de siglas que confunde o eleitor.

O Fla-Flu facilita a vida num sistema de voto em lista aberta e sem cláusula de barreira, onde há tantos candidatos e partidos que quem vota esquece em quem votou.

A polarização também cria disciplina. As últimas seis disputas presidenciais, por exemplo, foram dominadas pelos mesmos grupos de Lula e FHC. O segundo trunfo é de marcar diferenças entre petistas e tucanos e, assim, criar um espaço de interseção entre eles.

As faixas de coincidência são muitas. Em macroeconomia, manutenção do real, pagamento da dívida externa, metas de inflação, responsabilidade fiscal com superavit primário e concessão de serviços públicos ao setor privado. Em política social, renda mínima, assentamentos rurais e aumentos salariais. A lógica é clara: um polo termina imitando e fortalecendo as decisões do outro.

Essa dinâmica não eliminou o confronto, claro. Pelo contrário, a luta ideológica permanece acirrada, como se vê no embate sobre agências regulatórias, cotas raciais, meios de comunicação e expansão do ensino superior.

Só que o sistema traz um problema embutido. Como a polarização estabelece os parâmetros daquilo que é possível realizar, temas dos quais as duas coalizões hegemônicas preferem manter à distância não avançam de forma alguma.

Exemplos recentes incluem segurança pública, reforma do judiciário, reforma política, gestão do sistema prisional, combate à corrupção e criminalização da homofobia. O mesmo vale para política externa.

Sem dúvida, Lula e FHC fizeram coisas que o outro jamais faria. Um cultivou os regimes de Síria, Líbia e Irã, lançou uma política africana e se negou a criticar Cuba e Venezuela. Outro celebrou Carlos Menem na Argentina e protegeu Alberto Fujimori no Peru, criticou Cuba e assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear.

No entanto, a estratégia externa no período avançou na interseção entre as duas forças.

Ambas as coalizões apostaram em boas relações com os Estados Unidos, mantendo distância (resistindo a pedidos americanos de aliança, atrasando ou matando a Alca e arrancando concessões do FMI). Ambas priorizaram a América do Sul. E ambas aderiram de modo irreversível a novas disciplinas internacionais em comércio, direitos humanos e meio ambiente.

O resultado geral foi positivo: a cada uma das eleições anteriores do ciclo da polarização (1994, 1998, 2002, 2006 e 2010), a posição internacional do Brasil melhorou. Não se pode dizer o mesmo de 2014, mas esse é outro assunto.

O ponto aqui é que a agenda de política externa avançou decididamente no campo do consenso, e travou ou foi revertida nas áreas de intenso dissenso.

Essa lógica vai durar? É cedo para saber, mas no primeiro turno, 40 milhões de eleitores optaram contra a polarização, preferindo Marina ou não votar.


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