Folha de S. Paulo


Legado de Eduardo

Política externa nunca foi central no projeto pessoal de Eduardo Campos. Em sua trajetória –da política universitária à presidência do partido–, a conjuntura global não foi concebida como alavanca de poder nem como âncora de sua visão de país.

Não surpreende, portanto, que seus comentários sobre o tema encontrassem amparo no repertório diplomático do governo Lula, nem que, como candidato, ele evitasse bolas divididas sobre o assunto, que não lhe rendia votos nem magnetizava a sua militância.

Em maio passado, a conjuntura forçou uma mudança de atitude. Seus marqueteiros cobraram diferenças mais claras em relação a Dilma e a Aécio, criando identidade própria capaz de dar substância à promessa de superação da dobradinha PT-PSDB.

Inventar uma plataforma de política externa inovadora seria tarefa árdua. Não apenas há uma notável escassez de ideias a esse respeito no mercado intelectual, como o PSB, partido de Campos, tem tradição no assunto.

Sua voz mais eloquente é a de Roberto Amaral, nosso político profissional na ativa que mais escreve sobre relações internacionais.

Acomodar a cosmogonia de Amaral no projeto de Eduardo para 2014 estava fadado a ser um processo turbulento. Com seu estilo combativo, Amaral vislumbra uma política externa que bebe na Política Externa Independente dos anos 1960 e na visão de mundo do general Ernesto Geisel dos anos 1970.

Além do problema das ideias, havia o problema do poder. Amaral fez da política externa um baluarte do vínculo do partido com Lula e de sua própria autoridade sobre os correligionários.

Em sua posição, denunciou tudo aquilo que via como furor de Eduardo: a aliança com Marina, a convergência de ideias com Aécio e uma certa intolerância com as lideranças tradicionais da agremiação.

Dias antes de morrer, Eduardo tentou resolver o problema, cortando-o pela raiz.

A oportunidade apareceu quando a revista "Política Externa" comprometeu-se a publicar uma entrevista sem cortes nem edições a respeito da diplomacia de seu eventual governo.

As respostas de Eduardo golpeiam as teses mais tradicionais do partido. É Beto Albuquerque, não Roberto Amaral.

Rejeita-se a crença petista no declínio americano e defende-se o oposto: os Estados Unidos estariam vivendo uma vigorosa recuperação que os manterá na liderança econômica e tecnológica do planeta.

Na entrevista, Eduardo denuncia a "diplomacia paralela" do PT e critica a leniência com Argentina, Bolívia, Equador e, acima de tudo, Venezuela.

Ele oferece um caminho para flexibilizar o Mercosul, alerta para o risco embutido nos Brics e se diz compromissado com regimes globais de cunho liberal, seja em comércio ou direitos humanos.

O texto reconhece alguns trunfos de Lula estadista, mas mantém distância.

Se essa agenda terá futuro com Marina, ninguém sabe. Se bastará para disciplinar a nova constelação de forças no partido, também não.


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