Folha de S. Paulo


A América Latina na era Trump

Perdidas no fluxo de notícias estapafúrdias que caracteriza a era Trump, importantes mudanças estruturais do governo americano vêm passando despercebidas. Em pouco mais de seis meses no poder, Trump viu sua autoridade definhar dentro da Casa Branca. Um triunvirato militar composto pelo chefe de gabinete, John Kelly, o secretário de Defesa, James Mattis, e o conselheiro de segurança nacional, H.R McMaster, o acomodou sob uma forma de tutela administrativa.

No campo da política externa, onde Trump tem mais margem de manobra, a sua personalidade bufônica tem ofuscado a atuação do secretário de Estado, Rex Tillerson.

Todavia, a passagem de Tillerson pelo governo será lembrada por muitas gerações, pois ele tem conduzido um minucioso e metódico desmonte da estrutura da diplomacia americana. Paranoia e vingança parecem estar por trás desse ataque sem precedentes: para Trump, os diplomatas são liberais aliados a Hillary Clinton, dispostos a tudo para sabotar a sua Presidência.

O resultado desse processo é uma política externa errática —impossível saber se as iniciativas partem de uma reportagem vista na televisão ou de uma ação planejada- e subordinada às obsessões de Trump: terroristas, muçulmanos, imigrantes e refugiados.

Consequentemente, pela primeira vez em mais de um século, o projeto político do governo americano para a América Latina está reduzido a algo tão pequeno como a construção de um muro na fronteira com o México. Em sua breve visita à Colômbia, Argentina e Panamá, o vice-presidente, Mike Pence, confirmou essa tendência.

Foi abordada uma série de temas, do comércio internacional às sanções à Coreia do Norte, sem grande nexo nem coerência.

O único episódio de grande relevância —a ameaça de invasão da Venezuela— produziu dois efeitos indesejáveis para os Estados Unidos: uma onda de solidariedade dentro da América Latina, raridade nessa época de divisões profundas, e uma relegitimação provisória do governo Maduro, que recorre à ameaça americana para justificar sua deriva autoritária.

É nesse contexto de vazio diplomático que os presidentes do Brasil, Peru e Colômbia tentarão estabelecer uma relação de trabalho com o presidente americano no jantar marcado para esta segunda-feira (18) em Nova York. Porém, mais do que aprender a conviver com Trump, os governos latino-americanos devem saber tirar vantagem das inconstâncias ou inconsistências diplomáticas estadunidenses para alargar sua esfera de influência e construir uma maior preponderância em matérias regionais e globais.

A superação desse desafio passaria por uma mudança da atitude da classe política e da sociedade civil em geral.

Os EUA teriam de deixar de ser vistos como utopia pronta a acolher os brasileiros caso eles se transformem em pessoas civilizadas. Ou como o grande vilão responsável por todos os males da nação. Apenas como uma superpotência cheia de contradições e em plena reinvenção. Para enfrentar a era Trump, o Brasil deve falar menos do grande Outro e mais do seu lugar no mundo.


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