Folha de S. Paulo


O Jaburu visto pelo mundo

Quando era vice-presidente, Michel Temer reclamou publicamente de ter sido escanteado do palco internacional por Dilma Rousseff. Suas tentativas de compensar o tempo perdido desde que assumiu o governo têm alternado entre irrelevância e constrangimento.

As principais autoridades estrangeiras relutam em visitar Brasília, que se tornou uma capital invisível. Um dos poucos a quebrar o embargo, o espanhol Mariano Rajoy, é um premiê contestado em seu país e desconsiderado na Europa.

O presidente argentino, Mauricio Macri, vem aproveitando o vazio. Visitou os Estados Unidos e o Japão, e assumiu o comando das relações entre a América Latina e a Europa, uma das supostas prioridades do atual governo brasileiro.

Sintomaticamente, o premiê português, António Costa, preferiu só parar em São Paulo quando estava a caminho da Argentina.

Na semana passada, Temer subordinou a política externa à sua sobrevivência pessoal no governo, organizando uma dupla viagem às pressas para escapar das turbulências de Brasília. Os diplomatas brasileiros tiveram meros 5 dias para organizar a ida à Rússia. Resultado, dos 20 acordos programados, somente 4 foram assinados.

Na Noruega, Temer viveu 48 horas de horror, marcadas por reprimendas e sanções pelos governantes e indiferença por parte da imprensa local. Regressou mais desprestigiado do que saiu.

O episódio sugere que a perda de lustre do Brasil no mundo não é consequência da conjuntura nacional, mas da ausência de uma estratégia coerente. Prova disso, as oportunidades que o Brasil teve para melhorar sua imagem recentemente foram todas desperdiçadas por Temer.

Ao inflar o número de refugiados no seu primeiro discurso nas Nações Unidas, o presidente cometeu muito mais do que uma gafe. Demonstrou profunda ignorância sobre uma prioridade internacional, e liquidou a credibilidade conquistada pelo governo anterior.

A tentativa de resolver a situação da Venezuela recorrendo a uma retórica beligerante, em contradição com o papel do Brasil na região, tem se revelado inconsequente, para não dizer contraproducente.

Hussein Kalout, um dos raros quadros de qualidade indiscutível do Planalto, ofereceu um diagnóstico contundente sobre a política externa brasileira. Embora controverso em alguns aspectos, o trabalho, intitulado "Brasil, um país em busca de uma grande estratégia", oferece um rumo claro a um governo desnorteado.

O documento nunca chegou a ser citado pelo presidente, que prefere continuar tocando a política externa como um mercador ambulante, batendo de porta a porta oferecendo carne e soja.

Ao insistir em iniciativas prosaicas, desprovidas de conteúdo programático, desenganchadas do lastro histórico do Brasil e organizadas em função da agenda doméstica, o presidente reforça, em vez de atenuar, a aura de decadência que ronda seu governo no palco internacional.

Os diplomatas brasileiros devem estar torcendo para Temer optar pelo porão do Jaburu da próxima vez que precisar se esconder do país.


Endereço da página:

Links no texto: