Folha de S. Paulo


Onda populista, seara progressista

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Na capa digital do jornal
Na capa digital do "Le Monde", foto de Macron em destaque, enquanto Marine Le Pen se apaga

Malgrado um capital eleitoral considerável, a direita populista continua distante do topo do poder na França. O desempenho pífio de Marine Le Pen no segundo turno, durante o qual se perdeu em afirmações contraditórias sobre a saída do euro, deflagrou um acerto de contas dentro do seu partido, a Frente Nacional, que tem uma longa tradição de violenta disputa interna.

Se a isso somarmos o provável regresso em força da centro-direita nas eleições legislativas, o objetivo declarado de Le Pen de assumir a liderança da oposição conservadora contra Emmanuel Macron parece bastante comprometido.

As dores de crescimento da FN são mais um indício de uma tendência insuspeita: a direita populista que pretendia reafirmar o posto do nacionalismo etnocêntrico nas relações internacionais está enfrentando dificuldades para realizar suas promessas.

Nos EUA, Donald Trump continua a sua transformação de candidato antissistema a presidente genérico do partido republicano. Seus conselheiros mais radicais cederam lugar a uma agremiação de tecnocratas do establishment. Com a aquiescência da família Trump, passaram a ditar o ritmo do governo.

As decisões mais invulgares e estapafúrdias do presidente, como a indicação de parentes para cargos-chave; a multiplicação de ordens executivas incoerentes; e, mais recentemente, o afastamento surpresa do diretor do FBI sugerem, acima de tudo, incompetência e desespero. Evidenciado como autocrata em pleno desabrochar, Trump está mais para capitão desnorteado na iminência de um impeachment.

No Reino Unido, a estratégia da primeira-ministra conservadora Theresa May de negociar uma saída sem concessões da UE esvaziou o movimento em favor do "brexit", que caminha para uma debacle eleitoral nas eleições de junho. Os sonhos de glória das suas eminências pardas Boris Johnson e Nigel Farage parecem mais longínquos do que nunca, e o plebiscito promete entrar na história como um ato de autossabotagem econômica incentivado por oportunistas irresponsáveis.

O intervencionismo do governo russo, apontado como um dos principais aliados da direita populista, também mostra seus limites. Depois dos incidentes durante as eleições nos EUA, as democracias liberais europeias blindaram as suas urnas contra o vandalismo cibernético.

A piratagem dos servidores de armazenamento da equipe de Emmanuel Macron às vésperas do segundo turno teve o seu impacto limitado pela prudência dos meios de comunicação franceses. Ao contrário dos seus homólogos americanos, que não hesitaram em espalhar notícias dúbias sobre Hillary Clinton, jornais como o "Le Monde" embargaram uma série de informações não verificáveis.

No fim das contas, aqueles que prognosticavam um retrocesso civilizatório na França foram contemplados com um presidente pró-europeu que qualifica o colonialismo de crime contra a humanidade e está prestes a aposentar duas gerações de centro-esquerda do país. Fica assinalado que a ascensão da direita populista pode ter o efeito paradoxal de catalisar a renovação das forças progressistas.


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