Folha de S. Paulo


No passado, mentira política era lícita e de dois gumes

Em 1733, circulou um panfleto intitulado "A arte da mentira política - Mentir de verdade". Especialistas atribuem o texto satírico a Jonathan Swift. Nele, o autor discorre sobre as mil maneiras de enganar o povo, em teoria, para seu próprio bem.

Desde então, fizemos progressos na velha arte de mentir. Toda semana dela temos provas cômicas ou trágicas, constatando que a mentira exige, desde sempre, regras de refinado cálculo.

Para Swift, a mentira nascia do fato de a alma ter um lado plano, feito por Deus, e outro cilíndrico, feito pelo demônio. O primeiro restituía a imagem das coisas como elas eram. E o cilíndrico, maior do que o primeiro, as deformava. A arte e o sucesso da mentira dependiam dele.

E o que era mentir? "A arte de convencer o povo, fazendo-o crer em falsidades saudáveis para qualquer bom fim". A mentira política era não apenas permitida, mas também lícita. Só que o governo, ou o corpo político, não tinha dela exclusividade.

Isso pois o povo poderia usá-la para combater seus representantes, por meio da invenção de falsos rumores e ataques à sua reputação.

Segundo Swift, haveria diferentes tipos de mentiras: a de "calúnia", que teria por objetivo a difamação; a de "adição", cuja meta seria emprestar ações benéficas a um indivíduo das quais ele não era o autor. E enfim a de "translação", quando se cediam ações a outrem.

A distinção entre a mentira "que serve para apavorar" e a que "anima e encoraja" era necessária. E atenção: mentiras não só deviam parecer verossímeis, mas não podiam se repetir. Melhor variar.

E por que não organizar uma sociedade que reuniria diferentes corpos de mentirosos, espécie de lobby que teria por objetivo divulgar exclusivamente falsas informações? Por fim, a última questão: a verdade não seria a melhor maneira de combater a mentira? Resposta: "A maneira mais apropriada e eficaz de destruir uma mentira é contar outra!"

Como se vê, a mentira na política não ganhou rugas. Mas ela não era para todos. Escrevendo para os jornais, em 1898, o escritor Olavo Bilac cravava: "Para ser político, é preciso antes de tudo ter força de saber mentir e transigir. Diante do eleitorado, que poderia eu dizer? A verdade? Mas o eleitorado, aceso em justa cólera, me correria à pedradas".

O eleitor gostava mesmo era de ouvir mentiras, embora os jornais, segundo Bilac, gostassem de contar verdades. Afinal, para ele, a imprensa era um bem comum, cuja prática tinha que ser transparente.

Mudaram os tempos, mas não as mentiras ou os políticos. Graças aos avanços da imprensa, do rádio, da TV, o político passou de notável a notório. E essa notoriedade conduziu ao contato com o povo, ao corpo a corpo e à promessa –ou mentira– jamais cumprida.

Com os avanços da imprensa escrita e falada, os políticos passaram a mentir diária e incansavelmente aos seus potenciais eleitores. E esses, ao contrário de "corrê-los a pedradas", fingem que acreditam. "Todo o ano, por mais ladrão que ele –político– seja, ele têm de ir pra rua, encarar o povo e pedir votos", ilustrou o ex-presidente Lula em discurso recente.

Frente aos candidatos das eleições, não estamos, infelizmente, diante de nenhuma novidade!


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