Folha de S. Paulo


Finanças da China estão acumulando problemas

Lan Hongguang - 21.out.2016/Xinhua
BEIJING, Oct. 21, 2016 (Xinhua) -- Chinese President Xi Jinping (C, front) and other senior leaders Li Keqiang (3rd R, front), Zhang Dejiang (3rd L, front), Yu Zhengsheng (2nd R, front), Liu Yunshan (2nd L, front), Wang Qishan (1st R, front) and Zhang Gaoli (1st L, front) attend a gathering to commemorate the 80th anniversary of the victory of the Long March at the Great Hall of the People in Beijing, capital of China, Oct. 21, 2016. (Xinhua/Lan Hongguang) (zwx)
O presidente chinês, Xi Jinping (centro), com líderes do Partido Comunista na Assembleia de Pequim

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai se reunir com seu colega chinês Xi Jinping nesta semana, em Mar-a-Lago, na Flórida. Na economia, as discussões devem ter como foco as políticas de comércio e câmbio da China. Isso seria um erro mesmo que as posições do presidente americano sobre o comércio internacional não estivessem fixadas, incorretamente, nos desequilíbrios em contas bilaterais.

Muito mais desafiador e importante é integrar a China ao sistema financeiro internacional. As autoridades econômicas americanas deveriam estar preocupadas com a conta de capital da China, e não com sua conta corrente. É lá que mora o perigo hoje.

Por que a conta de capital é mais importante? A resposta é que nela dois aspectos inter-relacionados da economia interagem com a economia mundial: desequilíbrios macroeconômicos entre poupança e investimento; e o sistema financeiro. Quanto às duas coisas, nas memoráveis palavras do antigo premiê chinês Wen Jiabao, a economia chinesa se mostra "instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável".

Isso era verdade em 2007, quando Wen fez a declaração. E é ainda mais verdade hoje. Como as autoridades chinesas percebem mas suas contrapartes ocidentais talvez não, a integração do sistema financeiro da China à economia mundial está repleta de riscos.

Considere alguns fatos. A poupança bruta total na economia chinesa equivale a 75% da poupança somada dos Estados Unidos e da União Europeia, e atingiu mais de US$ 5 trilhões no ano passado. O investimento bruto chinês, equivalente a 43% do PIB (Produto Interno Bruto) do país em 2015, continuava acima da proporção registrada em 2008, embora o ritmo de crescimento da China tenha caído em pelo menos um terço no período. Para sustentar um investimento assim elevado, a relação entre crédito e PIB subiu de 141% do PIB no final de 2008 a 260% no final do ano passado.

O "sistema bancário paralelo", na forma de "produtos de administração de patrimônio" e outros instrumentos, cresceu explosivamente. Os empréstimos interbancários também cresceram explosivamente. Por fim, mas não menos importante, o sistema bancário chinês é hoje o maior do mundo.

Financeiramente, a China é o leste selvagem. Recorde o que oeste selvagem produziu no século passado: a Grande Depressão e a Grande Recessão se originaram da interação entre as finanças, lideradas pelos Estados Unidos, e a economia mundial. Diante de seus desequilíbrios macroeconômicos e excessos financeiros, a China poderia causar tumultos financeiros internacionais da mesma ordem, no mínimo.

A questão macroeconômica é simples: a China poupa mais do que é capaz de investir lucrativamente em seu mercado nacional. Em 2015, a poupança bruta nacional equivalia a 48% do PIB. Dados do Banco Mundial demonstram que domicílios contribuíam com apenas metade da poupança total. O restante vem de lucros empresariais e de economias acumuladas pelo governo. Comparações internacionais sugerem que um crescimento econômico de 6% justifica poupança de pouco mais de um terço do PIB. Isso revela que o excedente de poupança chinês - excedente, claro, com relação às necessidades internas de investimento —pode equivaler a até 15% do PIB.

Para onde um superávit como esse pode ser direcionado? A resposta é para o exterior, em forma de superávits em conta corrente. Era isso que estava acontecendo antes da crise financeira. É provável que o mesmo viesse a acontecer agora se o governo chinês relaxasse seus controles de trânsito e detivesse o crescimento do crédito e das dívidas. O capital fugiria do país, o yuan despencaria e, com o tempo, surgiria um superávit mundial em conta corrente impossível de de administrar.

O crescimento atual no crédito e a fragilidade financeira consequente são causados diretamente pelo desejo de impedir que isso aconteça. Eles foram a maneira encontrada para manter alto o investimento apesar das consequências econômicas desfavoráveis. As autoridades chinesas estão em uma armadilha: ou seguram o crescimento do crédito, permitem que o investimento encolha e causam recessão em casa e um um grande superávit comercial (ou ambos); ou elas mantêm o crescimento do crédito e do investimento mas apertam os controles sobre a saída de capitais.

Por que essa última medida é essencial? Com estoques elevados e crescentes de ativos financeiros, líquidos, de risco ou de baixo rendimento, acompanhados por um grande influxo de poupança —sem mencionar as ansiedades causadas pela campanha de combate à corrupção—, as empresas e cidadãos chineses estão desesperados por tirar dinheiro do país. Isso explica a queda das reservas cambiais do país de US$ 4 trilhões em junho de 2014 a US$ 3 trilhões em janeiro de 2017. E as reservas certamente podem cair mais. Mas as autoridades chinesas não desejam que elas caiam indefinidamente. Porque também reconhecem os perigos de permitir uma queda forte demais do yuan, elas reagiram da maneira óbvia e impuseram controles mais fortes à saída de capitais do país.

Suponha que as autoridades chinesas tivessem adotado, em lugar disso, a política alternativa de uma rápida liberalização nas entradas e saídas de capital, e que continuassem a depender da expansão do crédito para sustentar a demanda interna. É possível, mas improvável, que a entrada de dinheiro internacional na China viesse a se equiparar à saída, por conta da diversificação de carteiras tanto pelos estrangeiros quanto pelos chineses. Mas isso também causaria três dores de cabeça. Primeiro, os desequilíbrios macroeconômicos internos persistiriam. Segundo, o setor financeiro ficaria ainda mais frágil.

Por fim, esse vasto, complexo e frágil sistema financeiro se integraria totalmente ao do resto do planeta, que continua aquém de uma estabilidade completa. Em lugar da crise financeira chinesa que muita gente vê como iminente, isso elevaria imensamente a probabilidade de uma nova crise mundial, dessa vez com a China e não os Estados Unidos em posição central.

Estamos diante de imensos desafios que precisam ser discutidos plenamente entre os Estados Unidos e a China (e outros). Eles têm profundas implicações para o comércio internacional, mas não giram em torno da política de comércio. Requerem consideração combinada sobre a macroeconomia e a política financeira. E também requerem atenção à gestão da conta externa chinesa, acima de tudo os controles de câmbio, a taxa de câmbio e as reservas cambiais.

Xi tem em seu governo pessoas que pelo menos compreendem essas questões. Podemos dizer o mesmo sobre Trump? A estabilidade da economia mundial depende da resposta. E infelizmente suspeito que seja "não".


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