Folha de S. Paulo


Políticas da primeira-ministra britânica contradizem sua retórica

Alastair Grant/Associated Press
British Prime Minister Theresa May answers a question from the media during the final press briefing at the EU Summit in Brussels, Friday, Oct. 21, 2016. Britain’s prime minister vowed on Thursday that the U.K. would continue to exert it full rights in the workings of the European Union until it leaves the 28-nation bloc. (AP Photo/Alastair Grant) ORG XMIT: XAG124
Primeira-ministra britânica, Theresa May

A promessa da primeira-ministra britânica Theresa May em seu discurso na conferência do Partido Conservador um ano atrás, não deixava margem a dúvida: "Nossa economia precisa funcionar para todos, mas se o seu salário está estagnado há anos e os gastos fixos continuam a subir, a sensação será a de que ela não está funcionando para você". Ela tinha razão.

No momento do discurso de May, o padrão de vida do Reino Unido estava passando por o que Torsten Bell, do instituto de pesquisa Resolution Foundation, define como "um miniboom". Mas aquele momento feliz ficou para trás. A perspectiva agora é que tenhamos o pior de dois mundos —melhora lenta no padrão de vida, como nos anos imediatamente posteriores à crise, e forte avanço da desigualdade, como na década de 80. Isso tem muito a ver com as escolhas políticas de May? Oh, com certeza. Portanto, May estava sendo hipócrita? Sim, uma vez mais.

O trabalho do instituto de pesquisa revela um país que está escolhendo priorizar os abastados de preferência aos pobres, e os velhos de preferência aos jovens. O que quer que esse país seja, ele não pode ser descrito, ao contrário do que fez a primeira-ministra, como uma nação que "age para corrigir a desigualdade e a injustiça, e coloca o governo a serviço dos trabalhadores comuns". Esses floreios retóricos ficam bem distantes da realidade. Além disso, a saída dura da União Europeia ("brexit") escolhida pela primeira-ministra agravará ainda mais a situação.

Os números são claros e preocupantes. A renda mediana disponível real subiu fortemente em 2014-2015, 2015-2016 e 2016-2017. A principal explicação para isso foi a inflação muito baixa e a forte alta no emprego. O crescimento real dos salários vem sendo constantemente fraco, em larga medida por conta do que Bell define, corretamente, como "o desastre recente na produtividade" do Reino Unido. A renda média real, de acordo com as projeções, não deve der mais alta no período 2010-2020 do que foi no período 2000-2010 - o pior desempenho do país desde o começo do século 20.

O que o futuro pode trazer, assim? É razoável esperar por uma alta na inflação, como resultado da desvalorização da libra desde o referendo sobre a saída da União Europeia, e de uma redução na alta do emprego, que já se encontra em patamar bem alto. Com base nas mais recentes projeções do Serviço de Responsabilidade Orçamentária sobre a renda domiciliar até 2020, a fundação conclui que a renda mediana disponível subirá em 2% de 2015 a 2020. A renda das pessoas que ocupam a parte mais alta da pirâmide de distribuição vai subir em 7%, e a das pessoas da metade inferior cairá em 2%. O quadro geral é de estagnação acompanhada por crescente desigualdade - e os aposentados, que se saíram muito melhor que as pessoas em idade de trabalho, nos últimos anos, continuarão a fazê-lo.

Por que isso está acontecendo? Parte da resposta é que a perspectiva de crescimento é baixa. Ela depende principalmente do desempenho quanto à produtividade mas também do impacto da Brexit. Também depende de planos tributários e de benefícios herdados —mas, crucialmente, mantidos— por May.

Um aspecto particularmente importante é o corte significativo de benefícios para as pessoas em idade de trabalho, especialmente o congelamento do valor máximo da maioria dos benefícios, exacerbada pela alta dos preços depois do referendo. Igualmente importantes são os substanciais cortes de impostos para pessoas relativamente prósperas.

Juntas, essas mudanças impõem declínios proporcionais consideráveis na renda real da metade mais baixa da pirâmide de distribuição, especialmente entre os 30% mais pobres da população. Elas gerarão elevação proporcional da renda para as pessoas posicionadas entre o sexto e o nono décimos da pirâmide de renda, e causarão um pequeno declínio proporcional na renda dos 10% mais ricos. O governo decidiu dar àqueles que já têm. Isso torna absurda a retórica de inclusão adotada pela atual administração.

Mas há mais. Outra pesquisa interessante indica que a "geração milênio" —as pessoas nascidas entre 1981 e 2000— é a primeira a ter renda real inferior à da geração precedente. Esse declínio vem sendo experimentado quase que exclusivamente pelos homens jovens. O resultado é maior paridade de salário entre os homens e mulheres jovens, mas não porque as mulheres estejam se saindo muito melhor do que antes em termos absolutos, e sim porque os homens estão se saindo muito pior.

Está claro que o Reino Unido tem fortes desafios a enfrentar. Não só a produtividade está estagnada como o país precisa encontrar o rumo para o "brexit". Isso já seria ruim. Mas o governo também decidiu dar prioridade aos velhos de preferência aos jovens, aos aposentados de preferência às famílias com crianças, e aos abastados de preferência aos mais pobres. É difícil acreditar que essas sejam escolhas sábias para um país que deseja garantir um futuro melhor para o seu povo.

É ainda mais difícil acreditar que essas escolhas sejam moralmente corretas para um país forçado a compartilhar dos prejuízos de uma imensa crise financeira e do crescimento fraco subsequente. Elas precisam ser contestadas e reconsideradas. Mas, sem oposição efetiva, isso não acontecerá. O governo pode estar sendo descaradamente hipócrita. Mas também parece provável que escape às consequências dessa atitude.


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