Folha de S. Paulo


Falar duro sobre o comércio global não trará empregos de volta

Nicholas Kamm/AFP
US President Donald Trump signs an executive order to start the Mexico border wall project at the Department of Homeland Security facility in Washington, DC, on January 25, 2017. / AFP PHOTO / NICHOLAS KAMM ORG XMIT: NK1713
O presidente dos EUA, Donald Trump, decreta a construção de muro na fronteira com o México

Primeiro culpe os estrangeiros. Essa estratégia sempre acompanha o nacionalismo ressentido. Ela pode ser vista em ação na proibição de Donald Trump à entrada nos Estados Unidos de imigrantes de sete países.

Também será vista em seu protecionismo. Um grão de verdade —o terrorismo e o impacto direto das importações sobre o emprego— reforça a mentira: minhas ações bastarão para mantê-los seguros e restaurar a prosperidade que vocês um dia tiveram.

No coração do debate sobre política comercial nos Estados Unidos está a história do emprego na indústria. O fato isolado mais importante é a queda firme da participação da indústria no emprego total, de cerca de 30% nos anos 50 a pouco mais de 8% no final de 2016.

A principal explicação para esse declínio em longo prazo na participação da indústria no emprego total dos Estados Unidos (e de outras economias de alta renda) é a ascensão do emprego em outros lugares.Em 1950, o emprego na indústria respondia por 13 milhões de postos de trabalho nos Estados Unidos, e o emprego nos demais setores por 33 milhões de vagas.

Pelo final de 2016, os números eram 12 milhões e 113 milhões, respectivamente. Assim, todo o aumento do emprego norte-americano entre 1950 e o final de 2016 ocorreu fora do setor industrial. Mas a produção industrial dos Estados Unidos não se estagnou. Entre 1950 e 2016, ela cresceu em 640%, enquanto o emprego no setor caía em 7%. Mesmo entre 1990 e 2016, a produção da indústria cresceu em 63% enquanto o emprego do setor caía em 31%.

A explicação para o contraste entre produção e emprego está na alta da produtividade. Mas ninguém está propondo deter esse processo. O problema, na realidade, está na estagnação recente do crescimento na produtividade: na indústria, a produção por hora cresceu em apenas 1% entre o primeiro trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2016.

Como resultado, o emprego subiu um pouco. Mas esse é um mau resultado: a economia precisa de alta na produtividade se deseja gerar uma melhora sustentada no padrão de vida.

Entre 1997 e 2005, o deficit comercial dos Estados Unidos nos produtos industrializados cresceu pelo equivalente a 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas hoje ele está mais ou menos no mesmo nível de 2005, depois de encolher durante a crise financeira. Qual seria a dimensão do aumento na produção industrial caso o deficit comercial não tivesse crescido?

Partamos da plausível suposição de que o impacto em termos de valor adicionado equivalha a cerca de dois terços do valor bruto dos bens. Com isso, o valor adicionado no setor industrial seria mais alto pelo equivalente a cerca de 1,7% do PIB. Suponha que o efeito sobre o emprego fosse proporcional.

O emprego na indústria seria 2,5 milhões de postos de trabalho mais alto do que é hoje. Isso teria impedido metade da perda de empregos na indústria de 1997 para cá, e elevado a participação da indústria no emprego a mais de 10%.

Em resumo, a alta do deficit comercial no começo dos anos 2000 teve efeito significativamente negativo sobre o emprego industrial, mas quase nenhum efeito sobre o declínio em longo prazo da participação da indústria no quadro geral de emprego.

Mesmo que a balança comercial tivesse se mantido inalterada no começo dos anos 2000, a participação da indústria no emprego total ainda assim teria caído significativamente ante os números dos anos 90. A principal razão para isso é a demanda fraca; não surpreende que os declínios absolutos do emprego industrial tenham ocorrido durante as duas recessões, a do começo dos anos 2000 e a de 2007-2009.

Que proporção da alta no deficit comercial se deve ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e à admissão da China pela Organização Mundial de Comércio (OMC)? Bradford DeLong, da Universidade de Berkeley, conclui que o efeito foi modesto.

Uma análise mais sofisticada por Daron Acemoglu, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e outros pesquisadores concluiu que o comércio com a China foi causa direta da perda de 10% do total de empregos eliminados na indústria norte-americana entre 1999 e 2011. Mas uma análise das conexões entre empresas e do impacto sobre a demanda local revela efeitos muito mais negativos, da ordem de dois milhões a 2,4 milhões de empregos perdidos, ainda que isso representa menos de 2% do emprego total nos Estados Unidos.

Dois pontos importantes emergem. O primeiro é que o efeito da concorrência com produtos importados muitas vezes é concentrado, em termos geográficos. Esse é um desafio especialmente sério em um país grande como os Estados Unidos.

A melhor resposta deve ser uma combinação de apoio às comunidades prejudicadas para que gerem novas fontes de emprego e assistência aos trabalhadores (e não apenas aos afetados diretamente) para que adquiram novas capacitações e com elas novos empregos. Parte da estratégia deve envolver a restauração da mobilidade perdida pelos norte-americanos.

O segundo ponto é a necessidade de sustentar a demanda e assim garantir que novos empregos substituam os velhos, na economia como um todo. A visão ortodoxa é de que os Estados Unidos sempre poderão atingir o pleno emprego por meio do uso ativo de medidas de política monetária e fiscal.

A experiência adquirida de 2000 para cá, e especialmente desde a crise financeira, sugere que isso pode ser difícil. Como argumentei em outros artigos, grandes superávits em conta corrente, para alguns países, forçaram os países deficitários a excessos financeiros como forma (em última análise insustentável) de manter a demanda alinhada ao potencial produtivo.

A crise serviu para confirmar a preocupação de John Maynard Keynes sobre o papel potencialmente maligno de países superavitários na economia mundial.

Infelizmente, as políticas propostas por Trump e os republicanos do Congresso - uma combinação entre protecionismo disperso e um grande estímulo fiscal, acompanhada pela eliminação de boa parte da rede de seguridade social - provavelmente imporão custos pesados aos setores desprotegidos, e causarão desespero ainda maior aos partidários do presidente.

Nada do que ele fizer reconduzirá a indústria ao seu papel perdido como provedora dominante de "bons empregos". Produtos importados baratos e a capacidade de fornecê-los também trouxeram grandes benefícios aos consumidores norte-americanos e aos trabalhadores estrangeiros.

A abordagem correta deveria ser pró-ativa, e não defensiva; envolveria abrir os mercados mundiais; forçar os países com superávits excessivos a depender mais da demanda interna e menos da externa; ajudar os trabalhadores e comunidades prejudicados por mudanças adversas, em lugar de abandoná-los; e não culpar os estrangeiros pelo "crime" de vender bens a preço baixo. Políticas como essas fariam muito sentido.

Infelizmente, não são o que veremos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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