Folha de S. Paulo


Os perdedores econômicos estão se revoltando contra as elites

Os perdedores também votam. Isso é o que a democracia significa – e com razão. Se eles se sentem enganados e humilhados o bastante, vão votar em Donald Trump, candidato à nomeação presidencial do Partido Republicano nos EUA; em Marine Le Pen, da Frente Nacional, na França, ou em Nigel Farage, do Partido de Independência do Reino Unido. Há aqueles, particularmente a classe trabalhadora nativa, que são seduzidos pelo canto da sereia de políticos que combinam o nativismo da extrema direita, o estadismo da extrema esquerda e o autoritarismo de ambas.

Acima de tudo, eles rejeitam as elites que dominam a vida econômica e cultural de seus países: aqueles reunidos na semana passada em Davos para o Fórum Econômico Mundial. As consequências potenciais são assustadoras. As elites precisam descobrir respostas inteligentes. E pode já ser tarde demais para fazê-lo.

Os projetos da elite de direita, há muito, têm sido baixas taxas marginais de impostos, imigração liberal, globalização, cortes no caros "programas sociais", mercados de trabalho desregulamentados e maximização do valor investido pelo acionista.

Os projetos da elite de esquerda têm sido imigração liberal (de novo), multiculturalismo, secularismo, diversidade, escolha sobre o aborto, e igualdade racial e de gênero. Os libertários abraçam as causas das elites de ambos os lados; é por isso que são uma pequena minoria.

No processo, as elites se desprenderam das lealdades e preocupações nacionais, formando, em vez disso, uma superelite global. Não é difícil ver por que as pessoas comuns, sobretudo os homens nativos, são alienados. Eles são perdedores, pelo menos relativamente; não compartilham igualmente os ganhos. Sentem-se usados e abusados. Após a crise financeira e a recuperação lenta no padrão de vida, eles veem as elites como incompetentes e predatórias. A surpresa não é que muitos estão com raiva, mas sim que muitos não estão.

Branko Milanovic, ex-Banco Mundial, mostrou que apenas duas partes da distribuição do rendimento global não tiveram praticamente nenhum ganho de renda real entre 1988 e 2008: os 5% mais pobres e entre o 75º e o 90º por cento. Esse último inclui a maior parte da população dos países de alta renda.

Da mesma forma, um estudo realizado pelo Economic Policy Institute, em Washington, mostra que a remuneração dos trabalhadores comuns tem ficado muito aquém do aumento da produtividade desde meados da década de 1970. As explicações são uma mistura complexa de inovação tecnológica, comércio liberal, mudanças na governança corporativa e liberalização financeira. Mas o fato é inquestionável. Nos EUA – mas também, em menor grau, em outros países de alta renda – os frutos do crescimento estão concentrados no topo [da pirâmide].

Finalmente, a participação dos imigrantes na população subiu acentuadamente. É difícil argumentar que isso trouxe grandes benefícios econômicos, sociais e culturais para a massa da população. Mas, sem dúvida, beneficiou aqueles no topo, inclusive os negócios.

Apesar de oferecer seu apoio para os benefícios sociais que podem ser vistos como muito valiosos para as classes trabalhadoras nativas, a esquerda respeitável tem cada vez mais perdido o apoio delas. Isso parece ser especialmente verdade nos EUA, onde os fatores raciais e culturais têm sido particularmente importantes.

A "estratégia sulista" de Richard Nixon, ex-presidente republicano dos EUA, destinada a atrair o apoio dos brancos do sul, gerou resultados políticos. Mas a estratégia central da elite de seu partido – a exploração da fúria da classe média (especialmente do sexo masculino) em relação a raça, gênero e mudança cultural – está dando frutos amargos. O foco em cortes de impostos e desregulamentação oferece pouco conforto para a maioria da base do partido.

Trump – reclamam os ideólogos republicanos – não é um verdadeiro conservador. Essa é realmente a questão. Ele é um populista. Tal como os outros principais candidatos, ele propõe cortes de impostos exorbitantes. De fato, a noção de que os republicanos se opõem a deficits fiscais parece absurda. Mas, fundamentalmente, Trump é protecionista no comércio e hostil à imigração. Essas posições são um apelo para seus apoiadores, porque eles entendem que têm um ativo valioso: a sua cidadania. Eles não querem compartilhar isso com inúmeras pessoas de fora. O mesmo é verdadeiro para os apoiadores de Le Pen ou de Farage.

Nativistas populistas não podem ganhar. Já vimos esse filme: ele termina muito mal. No caso dos EUA, o resultado teria um grave significado global. O país foi o fundador e continua a ser o garantidor de nossa ordem liberal global. O mundo precisa desesperadamente da liderança bem informada dos EUA. Trump não pode fornecer isso. Os resultados poderiam ser catastróficos.

No entanto, mesmo que tal resultado seja evitado este ano, as elites foram alertadas. As da direita assumem grandes riscos ao cultivar a raiva popular como uma forma de garantir impostos mais baixos, aumento da imigração e da regulamentação mais fraca. As elites de esquerda também estão correndo riscos se forem vistas sacrificando os interesses e valores de uma massa batalhadora de cidadãos em prol do relativismo cultural e do relaxamento do controle das fronteiras.

Os países ocidentais são democracias. Esses Estados ainda fornecem as bases legais e institucionais da ordem econômica global. Se as elites ocidentais desprezam as preocupações de muitos, esses vão retirar seu consentimento para projetos da elite.

Nos EUA, as elites da direita, depois de terem semeado o vento, estão colhendo tempestades. Mas isso só aconteceu porque as elites de esquerda perderam a lealdade de faixas das classes médias nativas.

Especialmente, a democracia significa governo por todos os cidadãos. Se os direitos de residência, como parte ainda maior da cidadania, não forem protegidos, esse ressentimento perigoso vai crescer. Na verdade, ele já cresceu em muitos lugares.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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