Folha de S. Paulo


Como eu votaria no domingo se fosse grego

Como eu votaria no referendo sobre o programa econômico da zona do euro se fosse grego? A resposta, infelizmente, é que eu estou inseguro. Se eu acreditasse que a Grécia poderia ser bem-sucedida caminhando sozinha, certamente, votaria contra o programa.

Mas eu não tenho certeza disso: se a Grécia soubesse usar a soberania monetária com sabedoria, não estaria em seu estado atual. Se eu votasse a favor do programa, não sei se ele ainda estaria em oferta: a zona do euro diz que não, mas pode estar blefando. O que eu sei é que, se a Grécia votasse "sim", poderia enfrentar anos de contenção e depressão, mas isso ainda pode ser melhor do que o pós-saída do caos.

Certamente, também imaginaria se poderia haver um meio-termo. Assim, alguns defendem que seria possível ficar dentro da zona do euro, mesmo se o governo estiver em falência. Isso também poderia justificar um voto "não".

Ao tomar minha decisão, eu lamentaria tanto o esquerdismo idiota do meu próprio governo quanto a presunção do resto da zona do euro. Ninguém sai desta saga com crédito.

O governo do Syriza não conseguiu apresentar um programa crível de reforma que possa resolver os múltiplos problemas da economia e da política gregas. Em vez disso, fez gestos populistas. É, em resumo, um governo terrível produzido por tempos de desespero.

No entanto, a zona do euro também merece uma culpa substancial nesse resultado. Nunca poderíamos imaginar, a partir de nossa retórica, que a Alemanha daria calotes em série no século 20. Além disso, não há democracia, incluindo o Reino Unido, cuja política sobreviveria ilesa a uma depressão tão grande.

Lembremos que, quando a Alemanha sofreu sua última depressão dessa magnitude, Hitler chegou ao poder. Sim, o Syriza é o resultado da política infantil e irresponsável da Grécia, mas é também resultado de erros cometidos pelos credores desde 2010 e, sobretudo, da insistência em socorrer os tolos credores privados às custas do povo grego.

No entanto, todos esses erros agora representam custos irrecuperáveis. Os gregos devem olhar para o futuro.

Mesmo essa perspectiva não ajuda tanto quanto gostaríamos. A extensão do resgate não ofereceu uma saída plausível para a recuperação: ela deixou a dívida pública grande demais e, mais importante, exigiu austeridade demais a curto prazo. Dado o recuo recente, ela parece exigir uma mudança de um saldo orçamental primário (antes de juros) próximo de zero este ano para um excedente de 3,5% do produto interno bruto até 2018.

Alcançar este resultado pode exigir medidas fiscais que aumentariam o equivalente a 7% do PIB e encolheriam a economia em até 10%.

Não se coloca um paciente com excesso de peso em uma dieta que o faça passar fome logo após um ataque cardíaco. A Grécia precisa de crescimento. De fato, o colapso econômico explica por que sua dívida pública explodiu em relação ao PIB.

O programa deveria ter eliminado o excesso de austeridade até que o crescimento fosse estabelecido, com foco em reformas de promoção de crescimento, e deveria ter prometido o alívio da dívida, ao final.

Se o programa oferecido era tão ruim, eu deveria arriscar votar "não"? Para decidir, precisaria pensar sobre o que aconteceria. A posição de curto prazo seria clara. O Banco Central Europeu reduziu o apoio de emergência aos bancos gregos, forçando limites apertados para os saques. Alguns defendem que este é um erro enorme. Outros acreditam que é um incentivo para que os eleitores votem "sim".

Se os gregos votarem "sim", a restrição do apoio do BCE pode ser revertida. No entanto, é difícil imaginar uma retomada bem-sucedida do programa da zona do euro com o atual governo ainda no comando. Depois de fazer campanha para um "não", este último certamente teria perdido toda a confiança dos credores. Assim, um novo governo teria de surgir. Também teria, então, que assinar o contrato.

Uma votação no "sim" ofereceria, então, um futuro desagradável e incerto, mas pelo menos imaginável. Agora pense em uma votação no "não". Haveria, então, dois resultados possíveis. Um deles seria uma verdadeira saída. O governo grego iria introduzir uma nova moeda e converter todos os contratos sob a lei grega nela. A nova moeda, certamente, em seguida, entraria em colapso em valor relativo ao euro. Quanto ela iria cair dependeria das políticas e instituições (particularmente a governança do banco central) estabelecidas pelo governo.

Pode-se razoavelmente temer o pior. Alguns chegam a dizer que a Grécia permaneceria "baseada no euro". Se assim for, o colapso do valor externo da nova moeda pode oferecer pouco ganho de competitividade. Pessoalmente, eu seria mais otimista: as melhorias na competitividade poderiam muito bem ser grandes.

O segundo resultado seria ficar na zona do euro, apesar de um governo insolvente. Este é logicamente possível. O sistema bancário poderia ser recapitalizado por meio da conversão de passivos bancários não garantidos em capital. Isso parece tecnicamente viável, mas seria impor um grande choque negativo na riqueza privada.

Se o BCE reiniciaria empréstimos de emergência e em que escala seria isso, iriam se tornar as grandes questões. Essa parece uma opção pouco atraente para mim: ela iria apresentar todos os problemas de fazer parte de uma união monetária, com as desvantagens adicionais de um calote abrangente do governo. Melhor do que isso, certamente, seria votar "sim".

Então, eu, como um eleitor grego, enfrento uma escolha entre o purgatório e o inferno. O purgatório é familiar: as exigências intermináveis de que a zona do euro pare uma maior austeridade contra a qual meu povo votou na última eleição geral.

O inferno é o calote soberano e a soberania monetária. Se eu sou o primeiro-ministro Alexis Tsipras, acho que há uma terceira via —salvamentos intermináveis; e algumas condições. Porém, tenho certeza de que ele está enganado. Então, o que devo escolher? Sendo cauteloso eu ficaria tentado a escolher o purgatório, que já conheço, mas poderia muito bem fazer melhor correndo o risco do inferno.

Tradução de MARIA PAULA AUTRAN


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