Folha de S. Paulo


Um futuro econômico que pode nunca mais brilhar

Inicialmente, o cenário parece ser intrigante, e seria normal imaginar se ele é de fato possível: a produção pode estar no limite de seu potencial e ainda assim não se provar sustentável. E no entanto, um dos capítulos do mais recente "Panorama Econômico Mundial" do Fundo Monetário Internacional (FMI) destaca exatamente esse cenário. E pode ser até que já o estejamos vivendo.

A produção está "no limite do potencial" quando não gera pressão nem inflacionária e nem deflacionária. A sustentabilidade -e me refiro aqui à sustentabilidade financeira, e não à ambiental - é assunto completamente diferente. A produção é financeiramente sustentável quando os padrões de gastos e a distribuição de renda são tais que os frutos da atividade econômica podem ser absorvidos sem a criação de desequilíbrios perigosos no sistema financeiro. E é insustentável se gerar demanda suficiente para absorver a produção de uma economia requer empréstimos demais, taxas reais de juros muito abaixo de zero ou ambas as coisas.

Para ver como uma enrascada desse tipo poderia surgir, comece por imaginar uma economia que está em equilíbrio, no sentido de que o montante que os domicílios e empresas desejam poupar é exatamente igual ao montante que desejam gastar em investimentos físicos. Até aí, tudo bem. Mas suponha que o crescimento do potencial de produção venha a cair abruptamente. O nível de investimento desejado também cairia, porque o estoque de capital necessário seria menor.

Mas o montante que as pessoas desejam poupar poderia não mudar, ou cair em proporção menor; de fato, se as pessoas imaginam que o futuro as tornará mais pobres, podem até desejar poupar mais. Caso isso aconteça, as taxas reais de juros poderiam ter de cair rapidamente a fim de restaurar o equilíbrio entre o investimento e a poupança.

Um declínio dessa ordem nas taxas reais de juros também deflagraria aumento no preço dos ativos de longo prazo e uma alta associada no crédito. Esses efeitos ofereceriam remédio temporário para a demanda claudicante. Mas se o boom do crédito vier a entrar em colapso mais tarde, causando dificuldades aos devedores para refinanciar suas dívidas, a demanda passaria a operar sob um duplo fardo. As consequências de médio prazo de um excesso de dívidas e de um setor financeiro avesso a riscos agravariam as consequências em longo prazo de um potencial de crescimento mais baixo.

O "Panorama Econômico Mundial" ilumina um aspecto importante de uma história como essa. O potencial de produção, argumenta o texto, está de fato crescendo mais devagar do que no passado. Nos países avançados, esse declínio surgiu no começo dos anos 2000; nos países emergentes, depois de 2009.

Antes da crise, a principal causa da desaceleração nas economias avançadas era o declínio no crescimento da "produtividade total dos fatores" - uma medida da produção gerada por dado montante de capital e trabalho. Uma explicação pode ser a atenuação do impacto econômico benéfico da Internet. Outra a queda no ritmo de melhora na capacitação humana. Depois da crise, o potencial de crescimento caiu ainda mais, em parte por conta do colapso no investimento. O envelhecimento da população também foi importante.

Nas economias emergentes, igualmente, há fatores demográficos em curso: o declínio no crescimento da população em idade de trabalho é especialmente dramático na China. O crescimento do capital também está caindo, depois de um imenso boom de investimento na década de 2000, uma vez mais especialmente na China. O crescimento da produtividade total dos fatores também pode cair em longo prazo, à medida que se reduz o ritmo de recuperação do atraso das economias emergentes com relação às avançadas.

Esse declínio no potencial de crescimento conduz diretamente ao debate sobre o excedente de poupança e a estagnação secular. Duas importantes distinções emergem: entre o quadro local e o global, e entre o que é temporário e o que é permanente. A desaceleração mundial do potencial de crescimento lança luz sobre esses dois aspectos.

Ben Bernanke, antigo chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), argumenta, corretamente, que taxas de juros ultrabaixas não deveriam ser determinadas puramente pelas condições locais.

Em uma economia na qual a poupança desejada excede o investimento desejado, deveria ser possível exportar o excedente de poupança por meio de um superávit em conta corrente. É isso que a Alemanha vem
fazendo.

Mas surgem dificuldades. Primeiro, como aponta Paul Krugman, economista ganhador do Nobel, a taxa real de câmbio pode não cair o bastante. Caso isso aconteça, a economia pode vir a sofrer de uma estagnação permanente. Segundo, o resto do mundo pode ser incapaz de manter deficits compensatórios de maneira sustentável. Foi o que aconteceu nos anos que antecederam 2007. Os deficit acumulados pelos Estados Unidos, Espanha e diversos outros países como contraparte para os superávits da China, dos exportadores de petróleo, da Alemanha e de outras economias de alta renda provaram ser assustadoramente insustentáveis.

Agora considere a distinção, menos fundamental, entre o excedente temporário e permanente de poupança com relação ao investimento. A principal diferença nas posições de Bernanke e do antigo secretário do Tesouro norte-americano Lawrence Summers repousa, previsivelmente, nisso.

Bernanke sugere que as condições que geram taxas de juros reais ultrabaixas são temporárias. Exemplos óbvios são os superávits agora desaparecidos dos exportadores de petróleo. Ou há o caso da China, cujo superávit em conta corrente anterior à crise em larga medida desapareceu. A desaceleração causada pela crise deve, assim, ser temporária.

Contra isso, Summers sugere que ao menos algumas das condições antedatavam a crise e provavelmente serão mais duradouras do que ela. Entre essas condições está a fraqueza do investimento do setor privado nas economias de alta renda.

O argumento do FMI sobre a desaceleração no potencial de crescimento sustenta a interpretação de Summers. Um potencial de crescimento mais baixo poderia significar também crescimento menos sustentável. Caso isso se comprove, poderemos vir a descobrir que a economia mundial será caracterizada por investimento fraco, baixas taxas de juros reais e nominais, bolhas de crédito e dívida impossível de administrar em longo prazo.

Um futuro decepcionante como esse não é inevitável. Mas não podemos presumir que teremos um futuro brilhante, Reformas mundiais, regionais e nacionais serão necessárias para acelerar o potencial de crescimento e reduzir a instabilidade. Que forma essas reformas poderão tomar é assunto para outro dia.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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