Folha de S. Paulo


Zika

Passou o Carnaval, sobrou a zika. O terrível desse vírus é o pouco que se sabe sobre ele. Além de todas as indagações sobre o alcance de suas consequências para os bebês que nascem com microcefalia, desconhece-se todas as possíveis formas de transmissão do vírus. As vacinas ainda serão testadas, a mudança transgênica que o eliminaria não é viável como plano e temos um governo que nas três instâncias, municipal, estadual e federal, pouco fizeram.

Os alertas estavam todos lá: aumento gigantesco de dengue no país em nível epidêmico. Somente na cidade de São Paulo, que registrou mais de 100 mil casos, com 23 mortes, projeta-se um avanço para 250 mil casos.

A reação dos governos não acompanhou o rápido avanço da doença.

O governo federal está agora colocando as Forças Armadas para auxiliar no combate ao mosquito transmissor. Muito bem. Mas a questão é mais profunda: se não resolvermos problemas estruturais, continuaremos sofrendo reveses. Vencer a epidemia compreende muitas ações de prevenção, todas conhecidas. Não dá para dizer que vamos vencer a luta contra o Aedes só com a mobilização da população. É preciso fazer chegar tratamento de esgoto, a coleta regular de lixo e a água potável a 30% dos municípios brasileiros, que sobrevivem sem esses serviços.

Recentemente, foi noticiado que pais têm abandonado suas companheiras devido ao diagnóstico da microcefalia em seus bebês. Doeu-me imaginar mais esse sofrimento e aumento da penúria para as mulheres nessa já difícil situação. E as que não conseguem saber se contraíram ou não o vírus? E as que não querem engravidar, estão tendo acesso aos postos de saúde com anticoncepcional? E a transmissão do vírus pela transfusão de sangue (São Paulo teve um caso) ou contato sexual? Pouco sabemos.

Foi positiva a declaração de emergência no combate ao vírus feita pelo comitê de especialistas da OMS (Organização Mundial de Saúde). Quando os EUA investiram na defesa contra-ataques bioterroristas, o vírus da zika não entrou nas pesquisas (o vírus do ebola que estava sendo estudado permitiu o controle da doença, iniciada na África, em um ano!). Com a posição da OMS, existirão mais recursos para pesquisas, pressão e incentivo para os países melhorarem o controle vetorial o que permitirá estudos mais precisos.

Na verdade, o mundo tem que se preparar para novas ameaças biológicas desconhecidas, num planeta cada vez mais quente e com grandes regiões de pobreza.

O Brasil tem o desafio de impedir a propagação do vírus, amparar milhares de crianças que estão nascendo comprometidas, ao mesmo tempo em que precisa investir no saneamento e na gestão da saúde.


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