Folha de S. Paulo


ZIKV

Se eu tivesse 25 anos e estivesse grávida, provavelmente, estaria muito aflita com a situação e o futuro do meu país, as condições de vida na minha cidade, São Paulo, e, principalmente, com a saúde do bebê que carregaria na barriga. Se fosse uma jovem ligada na internet, meu Face estaria cheio de virais da Dilma e da carta do Temer, memes do Cunha. Certamente, estaria num grupo de futuras mamães, indignada com o descaso diante da saúde pública e dormindo mal com a ameaça do vírus zika.

Talvez preferisse usar o Instagram e, além de postar fotos de todos os ângulos da minha barriga grávida, estaria entrando no grupo de vendas de quartos e roupas de bebê. Perguntaria se alguém saberia, com clareza, os sintomas do vírus e quantos casos já existiriam na cidade.

Não esqueceria o WhatsApp, conversaria com minha mãe, no mínimo três vezes, por dia, monitoraria o futuro pai na mesma proporção. Responderia às suas ligações, como eu me sentiria, outras tantas vezes. De tanta preocupação, eu sentiria dores que não existem e a vaga sensação de medo e abandono.

Será que eu teria ânimo para enviar algumas mensagens sobre o impeachment, as passeatas próximas e, dependendo da tensão na novela das 21h, a opinião de quem acaba com quem? Não estaria com concentração para ler. A não ser o básico sobre bebês e, agora, as páginas sobre saúde.

Acabaria sabendo bem mais sobre o vírus, o Aedes aegypti e a microcefalia. Ficaria horrorizada com a situação das Santas Casas, com o aumento da Aids na juventude, com a falta de médicos nos postos de saúde e a dificuldade para realizar exames e os hospitais prometidos e não entregues.

Pensaria se é justo estar passando por tudo isso. Por que o meu país ou a minha cidade não foram capazes de cuidar de mim e de tantos outros bebês que estão para nascer? A dengue já está conosco há muito tempo. Sobre a vacina, há anos prometida, a Anvisa discute com o Instituto Butantan e eu fico com minha angústia.

Em São Paulo, não tem fumigação, agentes de saúde suficientes na rua, campanha forte, nem o Exército, nem a Marinha, tampouco a Aeronáutica atrás do mosquito, como agora na tragédia no Nordeste. As autoridades esquecem da prevenção e, quando se ligam, as filas já são enormes nos hospitais.

Temos a dengue, a chikungunya, a zika e as soluções atuais são: repelente, manga comprida, meias... E o meu desespero é pela minha situação, pelo país parado, pela política conturbada, pela economia que não permite antever o meu filho crescer com grandes expectativas de melhora no nosso padrão familiar.

Sobre o meu bebê, é melhor eu ouvir música. Dizem que ajuda a nascer tranquilo.


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