Folha de S. Paulo


O Homem Primitivo

Graziella Moretto é corajosa, inteligente e assertiva. Foram esses adjetivos que me ocorreram lendo seu artigo indignado, publicado segunda-feira (27/7) nesta Folha, em vista do tratamento machista à peça "O Homem Primitivo", escrita por ela e Pedro Cardoso. Segundo Graziella, a crítica de Gustavo Fioratti, positiva e não sexista, não coincidia com a edição da matéria com título, foto e aspas de forma a dar protagonismo somente ao coautor masculino. Realmente fazer uma chamada "Peça de Pedro Cardoso é a mais inteligente do ano até agora", quando são dois os autores e ainda colocar uma foto da autora com o rosto coberto é para qualquer um ter um chilique... ups! Ficar furioso ou furiosa.

Comentei o caso com uma amiga que ponderou: "E se ela fosse a Fernanda Montenegro?". Não sei, talvez a chamada fosse outra; não seria mais uma questão de gênero, mas de importância jornalística. Não adianta. Por mais que tente, concordo totalmente com a reclamação da autora. O machismo existe e é forte.

A ONU lançou seu relatório global de 2015-2016 sobre "O Progresso das Mulheres no Mundo: transformar as economias para realizar direitos". É longo, muito do mesmo –apesar de avanços desde a 4ª Conferência da Mulher, em Pequim, há 20 anos: mais meninas em escolas, mais mulheres em trabalhos, sendo eleitas e assumindo lideranças. A maior vitória é que violência contra a mulher, antes considerada assunto privado, passou a ser foco de política pública. Viu-se que ações podem combater desigualdades. Conclui que a conquista dos direitos das mulheres passa por mais do que reforma legal. Daí a recomendação de dez propostas, a primeira delas a criação de mais e melhores empregos para mulheres.

Sempre achei que para as mulheres a autonomia financeira é sinônimo de liberdade. Com a TV Mulher nos anos 80 e a psicologia, vi que essa independência às vezes não resolve a submissão aprendida em casa e culturalmente. Hoje, voltei a acreditar que o primeiro passo é o estudo e a conquista de um bom trabalho. E, se possível, uma carreira. Melhor ainda se for em algo que se tenha prazer e realização.

Conclusão rápida: a ONU tem razão quando coloca como o grande desafio a questão econômica traduzida em conquista de oportunidades de bons empregos para as mulheres e aponta o que tem que ser feito para esta conquista.

Para começar, o machismo tem que acabar, e reações como a de Graziella Moretto são bem-vindas. Parabéns a ela e à Folha pelo "mea culpa" com a publicação do crítico artigo e a mais do que justa linda foto da autora.

Vou ver a peça. Afinal, a mais interessante do ano.


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