Por paradoxal que possa parecer, a popularidade do presidente da República e dos governadores poderá ser afetada pelas escolhas dos eleitores nestas próximas eleições. Não me refiro à influência dos primeiros sobre o resultado eleitoral, que é objeto de muita controvérsia.
Refiro-me ao impacto do desempenho dos futuros prefeitos sobre a aprovação dos atuais governadores e do presidente.
Os fatos são arquiconhecidos, mas peço licença para tornar a eles. Em março de 2013, prefeitos recém-empossados enfrentaram protestos detonados pelo aumento da tarifa de ônibus.
Em várias capitais, estes protestos converteram-se nas maiores manifestações de rua desde o impeachment de Collor, detonadas pela violência da repressão das polícias estaduais.
A estratégia dos prefeitos é velha conhecida dos manuais de ciência política: impor perdas na lua de mel de início de governo, diluir os ressentimentos ao longo do mandato, deixando os benefícios para seu final.
Não deu certo. O eleitor resolveu discutir a relação já no primeiro semestre. O litígio arrastou todos os governantes.
Em março de 2013, o Datafolha registrava que a presidente Dilma contava com 65% de ótimo/bom. Despencou para 30% em junho. Pela mesma fonte, o governador Alckmin caiu de 52% de ótimo/bom em junho para 38% em julho.
Se o objeto do conflito era basicamente local, por que as jornadas de junho afetaram tão brutalmente as taxas de aprovação da presidente? Afinal, a União não tem autoridade para decidir sobre as tarifas de transporte, nem tem comando sobre as polícias militares.
O fato é que o eleitor não parece distinguir "quem faz o quê". Estudos sobre o comportamento político de massa nos EUA e Canadá revelam o mesmo fenômeno, que não parece estar ligado à ignorância do eleitor.
Em vez disso, indicam uma percepção difusa do real funcionamento das federações modernas. Não funcionam como bolos de camadas (layer-cake federalism), nos quais as funções de cada nível de governo estão claramente definidas, de modo que o eleitor possa fazer claramente atribuições de responsabilidade.
A gestão das políticas opera como bolos de mármore (marble-cake federalism), marcada pelo imbricamento. No nosso caso, o governo municipal oferece serviços de saúde, mas o hospital tende a ser construído com recursos federais e pode ser gerido pelo governo estadual.
As escolas podem ser municipais, mas depender de recursos estaduais e federais. A oferta do livro da escola estadual ou municipal é administrada pelo governo federal.
Frustrado em suas expectativas, o eleitor dirige sua insatisfação para todos os níveis de governo. Em um mecanismo mental de encurtamento da informação, dirige sua ira para o governante com maior visibilidade.
Não sabemos quanto tempo durará a lua de mel do eleitor com os novos prefeitos. Mas ela pode ser encurtada se tornar as cidades brasileiras mais habitáveis não estiver incluída no rol de reformas urgentes.