Folha de S. Paulo


Primeira lista das 'grandes histórias' de 97

A todo momento, a mídia volta-se em bloco para a cobertura de um determinado tema que naquele momento parece obrigatório. Não parece haver muita reflexão a respeito da real relevância do tema. Muitos veículos se atiram a eles pelo que têm de esdrúxulo e momentoso. Outros apenas imitam a concorrência, seguem a influência das TVs.

Essas histórias não resistem ao tempo. Seu impacto rende por horas ou dias, mas não deixa nada de significativo, a não ser uma sensação de esforço desperdiçado. Essas coberturas são denominadas nas redações como ''grandes histórias'', uma expressão que, a meu ver, deveria fazer soar alarmes.

Pode-se deixar de publicar tudo no jornal, menos uma ''grande história''. Ela, em, geral, dispensa explicações.

Impõe-se naturalmente. É auto-explicativa.

AS DEZ MAIS

As características de uma ''grande história'' ainda não foram sistematizadas, embora elas possam ser abarcadas pelo lema geral ''o homem mordeu o cachorro'', ''a tragédia da celebridade'' ou ''o governo anunciou''.

Segue uma lista com dez coberturas que, na minha opinião, receberam destaque excessivo ou inadequado. A relação tem muito de aleatório, embora alguns temas sejam evidentes:

1 - Bandido da Luz Vermelha - A libertação do deficiente mental João Acácio Pereira da Costa mereceu as capas dos jornais e destaque nos telejornais. Anunciado com uma aura de heroísmo, o cidadão não tem nada a ver com o personagem.

2 - Dolly - Como realização científica, a clonagem do embrião de que resultou Dolly não justificava tanto destaque. Era, porém, um prato para fantasias sensacionalistas.

3 - A briga entre Faustão e Gugu - O assunto foi salvo pelo debate posterior a respeito do baixo nível dos programas dominicais de TV.

4 - O drama de Vera Fischer - Invasão de privacidade e exploração da curiosidade coletiva. Astros de TV (ela e o ex-marido Felipe Camargo) envolvidos em briga conjugal, histórias com drogas e disputa pelo filho na Justiça.

5 - Sérgio Motta - Entrevistas do ministro rendem crises de mentirinha que não alteram em nada o ''processo''. Além disso, qualquer noticiazinha sobre telefonia mereceu ampla divulgação na mídia.

6 - Pathfinder em Marte - Uma história de sucesso da máquina de divulgação da Nasa. Cientistas festejando, fotos do planeta e, como mostrou a revista ''Nature'' em 30 de outubro, pouco mais do que isso.

7 - Ronaldinho - Até desfile de moda da namorada Suzana Werner foi motivo de reportagens.

8 - A morte de Diana - Discussão ética sobre procedimentos da imprensa foi sufocada pelo exagero da cobertura ao ritual do enterro.

9 - Sistema Financeiro da Habitação - Com regularidade impressionante, a rotina se repete: cerimônia no Planalto, destaques nos telejornais da noite, manchetes nos jornais do dia seguinte sobre medidas, sempre desmentidas, que a partir de agora vai ser fácil liquidar débitos imobiliários ou adquirir a casa própria.

10 - O ''affair'' Paulo Henrique e Thereza Collor - Um verdadeiro ''frisson'' percorreu as redações mais respeitáveis porque o filho do presidente Fernando Henrique Cardoso, divorciado, foi fotografado saindo de um hotel com a ex-cunhada do presidente anterior, Fernando Collor.

Elabore também a sua e envie por fax, mensagem eletrônica, carta ou telefone para o Ombudsman (veja endereçamento abaixo). Os assuntos mais votados farão parte de uma coluna futura, que vai cotejá-la com uma consulta semelhante entre jornalistas. Se desejar, você pode enviar comentários.

Esse debate pretende questionar os critérios que presidem a tomada de decisões na mídia. Ao falar do passado, ele pode ajudar a escolha dos temas no futuro siga critérios de maior relevância e permanência para o público.

Quem quiser pode apontar também assuntos de relevância que foram subestimados pela cobertura da mídia.

PROJETO EDITORIAL DA FOLHA E ECOLOGIA

O novo projeto editorial da Folha já em vigor elegeu como prioridades de sua cobertura dois temas: educação e saúde. A respeito deles, traçou o seguinte diagnóstico: ''A imprensa ainda não conseguiu articular enfoques que coloquem esses temas na ordem do dia, acoplando-os à agenda imediata de eventos''.

Sem entrar aqui no exame da maneira como a cobertura dessas prioridades vem sendo ou não feita, chamo a atenção para o que parece uma importante limitação do projeto: a ausência da ecologia entre esses temas prioritários para o país e que vêm sendo negligenciados pela cobertura.

O planeta chegou a uma situação limite de esgotamento de seus recursos, fenômenos ambientais dão seguidas mostras da situação-limite a que se chegou. No Brasil, o quadro não é menos dramático, apesar da imensidão do território e dos recursos naturais.

Parcelas ponderáveis da sociedade já se conscientizaram desses problemas. Muitos governos também.

Articulações vivas existem em torno do problema. Não se pode dizer o mesmo da mídia.

Quem não trata desse assunto corre sério risco de perder o passo em direção à verdadeira modernidade.

Muitos articulistas esmeram-se em ressaltar as virtudes das iniciativas individuais de alívio à pobreza, remendos para o desemprego, treinamentos e reciclagens profissionais de duvidosa eficácia.

ECOCHATOS

Mas muitas vezes deixam de notar uma das áreas em que a sociedade mais se organiza à margem do Estado em iniciativas variadas, tomando para si a responsabilidade pela resolução de problemas como o lixo, a poluição atmosférica ou a preservação de áreas ameaçadas. Existe em torno das questões ambientais uma riqueza e energia vitais que lamentavelmente escapam à pauta fossilizada e burocrática da grande maioria dos veículos de comunicação.

Ainda existe nas redações um preconceito em relação aos cidadãos e entidades que se envolvem com o meio ambiente. A cisma talvez seja menor quando os militantes ostentam nomes em inglês e romanticamente surgem no ''Jornal Nacional'' a desafiar um superpetroleiro. Fora dessas situações, esses abnegados são chamados de ecochatos nas redações. Seu discurso ecologicamente correto é estigmatizado como oposto ao desenvolvimento.

Até mesmo em relação às iniciativas governamentais na área ambiental, a mídia, em geral tão oficialesca, mostra-se atrasada e conservadora em suas prioridades, talvez mais atrasada do que a própria consciência social mais geral que ala própria ajudou a criar.

Em muitos casos, a cooperação entre áreas do governo e organizações independentes da sociedade atingiu estágios muito mais desenvolvidos do que a mídia considera interessante noticiar.

Parece haver um bloqueio burocrático, em que as prioridades não são ditadas pelos fatos, mas por alguma regra ou rotina que se fossilizou e não permite a entrada de novos assuntos e atores sociais.

Não se pode esperar que na cobertura sobre ecologia a mídia se comporte da maneira rotineira que revela em coberturas como a do ''El Niño'' ou a do rodízio de automóveis em São Paulo. Nessas oportunidades, a cobertura parece estar mais a reboque das intempéries e agressões como a devastação da Mata Atlântica do que à busca de soluções viáveis que alterem a agenda dos governos e das organizações supranacionais.

Para estar em dia com esse que talvez seja o aspecto essencial da modernidade, a Folha deveria incluir entre suas prioridades editoriais a cobertura dos temas ligados à ecologia. Mais ainda: deveria aprofundar a discussão a respeito de qual cobertura sobre ecologia é necessária na situação atual do país e do planeta.


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