Folha de S. Paulo


Olhos grandes em Vera

Saio de férias até o dia 26 de outubro, no término deste meu mandato. Como balanço do período, há valiosos desenvolvimentos a ressaltar.

O debate em torno da ética nos meios de comunicação acabou por ser uma marca da época. O que era encargo isolado de alguns ombudsmans e críticos da mídia agora ganhou dimensão de questão pública, política e cultural.

Não é possível mais debater qualquer assunto relevante no domínio público sem levar em conta a mediatização que ele sofre pelos veículos.

Num outro plano, mais particular, a Folha divulgou novo projeto editorial, que tenta tratar dos caminhos do jornalismo numa época marcada pelo advento de novas mídias para a difusão de informações, acirramento da concorrência e pressões da sociedade por mais respeito aos direitos do público e das personagens e instituições envolvidos pelo noticiário.

Discute-se a criação de fronteiras que limitem com mais clareza o espaço de atuação da imprensa ao noticiar a vida privada de pessoas públicas.

Em resposta a esses desafios, o projeto endossa o esforço por um jornalismo mais sério, que trate dos fatos de maneira abrangente, dando conta de sua complexidade e obediente a critérios de relevância para a sociedade.

Aponta para um jornalismo à altura dos desafios do momento, atento aos significados e às interpretações dos fatos, que responda às demandas de um mundo cujas partes se interrelacionam cada vez mais.

A oportunidade para testar a fundo a fidelidade do jornal a esses compromissos se apresenta nas eleições do próximo ano.

Na ausência do ombudsman, as manifestações ao departamento podem ser encaminhadas pelos canais normais divulgados nesta coluna e no jornal. A assistente Rosângela Pimentel encaminhará os casos mais urgentes à direção de Redação e à Secretaria de Redação da Folha.

VERA FISCHER

As crises de Vera Fischer aparecem tanto no noticiário que o assunto levou o leitor Carlos Eduardo Martins, do Rio, a se manifestar. Segundo ele, não há razão jornalística para que a última confusão em que se envolveu a atriz ganhasse tanto ou mesmo qualquer destaque em jornais sérios como a Folha.

Fala o leitor: "Ela teve um ataque no meio da rua? Agrediu alguém? Esfaqueou a empregada? Atrapalhou o trânsito? Não? Então não é matéria jornalística. Ninguém tem nada a ver com o que se passa na esfera privada das pessoas".

Martins preocupou-se especialmente com a informação segundo a qual "a Folha apurou" que Vera Fischer, ao se internar na Clínica Bambina há 15 dias, estaria sob os efeitos de uma overdose de cocaína e bebida alcoólica.

Fala o leitor: "A Folha apurou como? Teve acesso às planilhas médicas? E daí? Isso é de interesse público?"

O leitor questiona até, com pertinência, até que ponto se justifica divulgar informações que estão na esfera privada de pessoas "públicas". Na minha avaliação, o estado químico de Vera Fischer, em si, não tem a menor relevância para o público, não o afeta. Sua situação deve inspirar solidariedade e preocupação. Deve ser abordada com muito distanciamento e discrição, especialmente pelos veículos que adotam critérios éticos de respeito à privacidade dos personagens do noticiário.

Mas o que mais me agonia agora é o envolvimento do filho da atriz e do ator Felipe Camargo, que disputam a guarda do menino na Justiça. Ele tem apenas 4 anos, mas já está sendo citado sem cerimônias, identificado, fotografado. Sua foto aparece mesmo na capa de jornais respeitáveis como "O Estado de S.Paulo".

O drama do que já foi a família de Vera Fischer não interessa a ninguém, a não ser a eles próprios, a suas famílias, aos amigos e, agora, aos tribunais.

O menino é vítima da situação. Contra ele não se pode nem levantar o cruel argumento de que "escolheu" ser famoso, de que "usou" a mídia a seu favor e, agora, tem de arcar com as consequências. Ele não escolheu nada.
Todos, inclusive a mídia, deveriam protegê-lo, para que vivesse da melhor maneira a vida a que tem direito.

Do contrário, o estigma, evidente na situação, poderá trazer consequências definitivas para o seu futuro. Se é que já não as trouxe.

Será que aprendemos alguma coisa com a discussão ética instaurada após a morte da princesa Diana? Ou já não é mais possível pensar em jornalismo, mesmo para as melhores cabeças, sem que se inclua entre seus temas o da vida privada das pessoas famosas?

MONSTRUOSIDADE NA PARAÍBA

Apenas para encerrar um assunto ignorado, o do massacre no presídio do Róger, em João Pessoa (PB). De acordo com o leitor Sérgio Spellmann, o laudo oficial, assinado pelo legista Genival Veloso de França, informa que os oito presos tiveram suas cabeças esmigalhadas, foram vítimas de esgorjamento (espécie de corte na garganta) e tiveram os olhos vazados com golpes de estilete.

O laudo inicial, feito por outro perito, afirma que tudo isso aconteceu antes de eles serem mortos. O massacre ocorreu após uma rebelião de presos, em 29 de julho. Menosprezar o noticiário a respeito de um caso desses é contribuir para que ele se repita.

LEALDADE E TOLERÂNCIA

Chega ao final o inovador mandato do ombudsman Mario Xavier, do jornal catarinense "ANCapital". Xavier teve atuação fundamental para a criação de uma cultura mais ética de exercício do jornalismo em Santa Catarina.

Em balanço publicado para o Instituto Gutemberg, Xavier definiu o ombudsman como um "representante do público", "um guerreiro ora mais, ora menos combativo, íntegro, leal ao seu mandato. Com uma crença fantástica na capacidade humana de praticar a paciência, a tolerância, a cabeça fria e a equidistância entre tantos conflitos de interesses muitas vezes inconciliáveis".

O jornal anuncia sua disposição de extinguir a função de ombudsman, deixando, assim, de publicar uma crítica semanal ao jornal. Declara estar discutindo a "implantação da crítica interna apenas como instrumento para garantir qualidade".

O RECADO DOS LEITORES

O leitor quis

Protestar contra um texto específico - 227
Fazer comentário geral sobre o jornal - 96
Encaminhar sugestão - 95
Pedir esclarecimentos ao jornal - 65
Apontar omissão de informações - 39

Campeões de interesse (**)

São Paulo/Cotidiano - 141
Brasil - 75
Colunistas - 63
Mais! - 50
Todo o jornal - 50

Os canais usados

Correio eletrônico - 510
Telefone - 415
Fax - 230
Carta - 158
Visita - 1

O ombudsman recebeu 1.330 manifestações no trimestre julho/agosto/setembro (até dia 19)

Foram apontados 141 erros de informações

O desvio de função foi de 28% do atendimento (questões não-jornalísticas)

(*) Número absoluto de manifestações ao ombudsman
(**) Só os cinco primeiros


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