Folha de S. Paulo


Para as câmaras; Metralhadora atinge PT; Na churrascaria

Interessante, a foto do menino sentado na rachadura que parou São Paulo. Sua expressão imprimia um lado lúdico ao caso da ponte dos Remédios, que foi interditada na terça-feira passada, causando incríveis engarrafamentos de centenas de quilômetros na megalópole.

Em meio às consequências da trágica administração pública nacional, o menino achava tempo para divertir sua curiosidade inocente.

Nem tanto assim. O garoto, que observava a cena junto a outros curiosos, foi convidado a sentar-se junto à rachadura e colocar as pernas no vão por um fotógrafo de um jornal de bairro. Seus pais não estavam presentes.

Não houve consulta aos técnicos sobre o perigo a que o garoto estava exposto ali.

O fotógrafo da Folha Moacyr Lopes Junior registrou a cena. Na Redação, alertou os editores para o contexto em que a foto foi realizada.

João Bittar, editor de Fotografia, considera que a Folha poderia ter editado melhor se informasse aos leitores que não convidou o garoto a correr o risco, pois ele fora incentivado a ocupar aquele lugar por convite de jornalista ligado a outro veículo.

Mas, pergunto eu, se o jornal não convidasse o garoto a sentar, por que publicaria a foto, mesmo que a iniciativa tenha sido tomada por outro? Há um implícito incentivo a uma situação de risco criada artificialmente, para as câmaras, por uma criança.

METRALHADORA ATINGE PT

Faz pouco tempo, critiquei aqui uma manchete tecnicamente errada que, sem informações suficientes para isso, prejudicava a imagem do governo Fernando Henrique e do ministro das Comunicações Sérgio Motta: "Motta deu TV para deputado que disse ter vendido o voto".

Agora, a Folha comete deslize semelhante com a oposição. Este escândalo, que já vai também ficando velho, foi criado por reportagem e entrevista de Paulo de Tarso Venceslau publicada inicialmente no jornal "Diário do Povo" de Campinas (atenção: o "Jornal da Tarde" publicou sua entrevista com Venceslau uma semana depois, atribuindo a si uma exclusividade que não houve, e que era propriedade, ao menos no período recente, do tradicional jornal campineiro).

Apesar de o próprio entrevistado declarar não ter evidências do que afirmava, o PT se viu presa de um artifício do qual a agremiação mesma se beneficiou em muitos dos escândalos recentes que abalaram o país: a acusação generalizada, o clima de terra arrasada, o linchamento. A fraude, praticada por essa ou aquela prefeitura, transformou-se no escândalo do PT.

A ligação entre o suposto esquema montado em algumas prefeituras e o Partido dos Trabalhadores como um todo não foi de forma alguma estabelecida com segurança, ao menos pelas informações colhidas até agora pelos jornais.

Isso não impediu, porém, que a Folha desse a seguinte manchete em sua edição do dia 30 de maio: "TCE reprova 5 contratos de empresa ligada ao PT". Dos cinco contratos citados, apenas um era de prefeitura petista, como aponta o leitor Leonardo Pereira, em mensagem eletrônica enviada ao ombudsman.

Ou seja, como a própria Folha assinalou, a irregularidade é suprapartidária, mas a responsabilidade é exclusivamente petista. É de se convir que esta é uma forma injusta de fazer justiça, fazer o PT experimentar um pouco do método de que tanto lançou mão. O erro é anterior, criado que foi por nossa atrasada cultura jornalística e política: a transmissão da imagem de que a ética e a honestidade poderiam ser exclusividade de um partido.

Um bom título tem que ser fiel ao que foi apurado. Ele não pode se submeter a regras éticas ou jornalísticas de exceção. Não existe o artifício da "liberdade poética" em área alguma do jornalismo informativo, menos ainda nos títulos.

Manchetes de jornal devem ser fiéis, equilibradas, informativas, submissas ao que se pôde checar. Devem, é claro, ser interessantes, sintéticas, criativas, mas sem jamais extrapolar o fato.

A secretária de Redação Eleonora de Lucena julga que a ligação entre a empresa responsável pelas supostas fraudes com as prefeituras e o PT ficou claramente estabelecida pela Folha. Ela cita a entrevista do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, e irmão de um dos sócios da empresa Cpem (Consultoria de Empresas e Municípios). À Folha, Teixeira reconhece que dava indicações sobre pessoas a procurar nas administrações petistas. Para algumas delas, a Cpem fez seu serviço, condenado pelos Tribunais de Contas, sem licitação e a uma taxa de sucesso de 20% do arrecadado no trabalho.

Tenho a impressão de que todas as questões políticas estão já voltadas para as eleições de 98. O que se espera é que o jornalismo consiga manter-se alheio a esse clima. Para isso precisa redobrar seus esforços éticos e técnicos. A manipulação não floresce quando a imprensa é fiel até o fim àquilo que é capaz de checar.

NA CHURRASCARIA

O diagnóstico da inspirada leitora Nilma Raquel Silva (São Sebastião-SP) faz pensar. Diz ela encerrando extensa mensagem por fax: "Acho que o ombudsman tem dado uma de 'cantor de churrascaria' se esmerando com uma bela voz enquanto a música vira só um zumbido de fundo para o bate-papo e a comilança".


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