Folha de S. Paulo


Dois passos adiante, um nem tanto

Com a série de reportagens que vem publicando sobre a compra de parlamentares em troca de votos favoráveis à emenda da reeleição, a Folha propicia um serviço essencial ao público. Temos a rara chance de testemunhar o lado de dentro do funcionamento de uma parte do poder no Brasil.

A divulgação das gravações feitas pelo ''Senhor X'' restituem a este jornal hoje, quando a competição é muito mais intensa do que há uma década o lugar de liderança que já teve no jornalismo brasileiro como fonte independente de informações.

Cumpre a tarefa democrática de revelar à população como se movem alguns de seus representantes. Contribui para a melhoria da cultura política e das práticas administrativas. Dá sentido à liberdade de imprensa.

Rompe a leniência que caracterizou a cobertura jornalística desde o início do governo Fernando Henrique. A manchete ''Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil'', de terça-feira passada, resulta de uma ênfase no aspecto fiscalizador e investigativo do jornalismo.

INVESTIGAÇÃO

Foram quase quatro meses de paciente empenho do repórter Fernando Rodrigues junto com o autor das gravações. Detalhes dessa apuração devem ser postos à disposição do público tão cedo quanto possível.
Mas não há só aspectos a louvar nessa cobertura, que ocorre num momento em que se questionam a fraqueza de procedimentos éticos, a pobreza das técnicas jornalísticas e a precipitação sensacionalista presentes em tantas manchetes.

É difícil decidir a maneira correta de noticiar num ambiente de alta voltagem, em que rumores sobre a demissão do repórter Fernando Rodrigues, como ocorreu na quinta-feira, influenciam a cotação da Bolsa e até obrigam a um pronunciamento do diretor de Redação Otavio Frias Filho em seu favor _também com efeitos sobre as ações.

PRECIPITAÇÃO

Se a Folha foi exemplar ao não se intimidar diante ''do que está em jogo'', ao realizar a primeira denúncia séria em torno do governo Fernando Henrique, ao procurar registrar com destaque adequado todos os lados envolvidos e respeitar a norma constitucional de respeito ao sigilo das fontes, ela se precipitou na manchete de capa de quinta-feira: ''Motta deu TV para deputado que disse ter vendido o voto''.

O noticiário daquela edição da Folha não fornecia elementos suficientes para afirmação tão definitiva a respeito do envolvimento do ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Foi o que escrevi em minha crítica interna, que circula diariamente na Redação da Folha, sobre aquela manchete.

Não bastavam as afirmações do deputado Ronivon Santiago gabando-se da propriedade ao ''Senhor X'', nem a aparência de testa-de-ferro do proprietário nominal da retransmissora. Era preciso mais. Era possível ter mais cautela.

CRITÉRIOS

Dessa avaliação crítica discorda a secretária de Redação da Folha Eleonora de Lucena. Para ela, a certeza que levou à manchete que incrimina Sérgio Motta baseou-se num conjunto de elementos.

Diz ela que os repórteres checaram as datas do pedido e da aprovação da concessão, visitaram as instalações físicas da retransmissora de TV, falaram com o suposto proprietário que compreensivelmente negou, embora seja evidente que não dispõe de condições materiais para ser proprietário de uma televisão, ouviram pessoas que têm relações com ele, cruzaram informações com fontes do mercado televisivo do Acre até que chegaram à constatação de que à frente da estação está um testa-de-ferro de Ronivon Santiago, como, aliás, o deputado mesmo declara na gravação.

É complexo avaliar uma cobertura em andamento, com tantas variáveis. Quando você lê esta coluna, o surgimento de novos fatos pode fazer certas considerações éticas parecerem descartáveis e preciosísticas.

Mas isso não importa e até enfatiza o valor dos métodos. Certos procedimentos precisam ser esgotados em qualquer situação, por maiores que sejam as convicções gerais acerca do comprometimento dos envolvidos em ilegalidades.

DEU OU NÃO DEU?

No caso, não eram suficientes a gravação de Santiago, as precárias condições materiais do taxista Valcy de Souza, suposto proprietário da retransmissora de TV, as condições da concessão e os depoimentos de que ele seria testa-de-ferro, para embasar afirmação tão forte e definitiva de que o ministro Motta ''deu TV para deputado''.

Sem as evidências, a manchete não chegou, até a noite de sexta-feira, a causar o que faria se as tivesse: a queda do ministro. O certo é que alguém comprou o voto dos deputados, pode ter sido o ministro por moto próprio ou a mando de alguém, pode ter sido o governador (por iniciativa própria ou a mando do primeiro), pode ter sido outra pessoa.

Essa história toda levantada por Fernando Rodrigues e pela Folha, ainda é preciso apurar, estabelecer as conexões, checar, publicar.

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TESTE

A necessidade de usar o espaço para a cobertura referente às gravações de Ronivon Santiago impede a divulgação hoje do cômputo geral e dos comentários às respostas do teste de ética, proposto aqui em 27 de abril.
Além disso, muitas respostas continuam chegando. O número de participantes até agora chega a 272. No domingo que vem o resultado sai aqui, sem falta.

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ONO

Este ombudsman foi eleito para integrar a diretoria da Organização de Ombudsmans de Imprensa (ONO), que até agora só tinha representantes da América do Norte e da Europa.


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