Folha de S. Paulo


A CPI também é da imprensa

A história recente das grandes coberturas jornalísticas realizadas pela imprensa nacional, especialmente a de São Paulo, caracteriza-se por uma atitude de maior autojulgamento.

As coberturas começam a ser acompanhadas do exame posterior de alguns procedimentos, a alguma expiação pública dos deslizes. O vexame da cobertura do caso da Escola Base quando educadores e cidadãos inocentes foram geral e injustamente acusados de abusar de crianças incentivou essa tendência. Mas ela ocorreu também na CPI de Collor, Bar Bodega, na CPI do Orçamento, e, mais recentemente, no caso de Cláudia Liz.

No futuro, talvez esses deslizes venham até a ser mais lembrados como a marca do período do que os importantes trabalhos que tenham sido realizados.
Apesar disso, vê-se uma ainda precária mudança de padrões, um processo doloroso e contraditório, em que a velha ordem ainda predomina. Os que procuram romper com a lógica anterior se expõem a incompreensões e até à calúnia.

É o caso do colunista Luís Nassif, que vem se dedicando a proceder a uma sistemática revisão das certezas imperativas que foram impostas e manipularam muitas coberturas. Por conta disso, sua coluna acabou se transformando até em uma espécie de agência de recurso para alguns dos prejudicados pela imprensa. Neste mais recente caso da CPI dos títulos precatórios, Nassif não só tem se mantido contra a maré linchatória, como aceitou emprestar seu prestígio para veicular, com uma atitude desarmada, sem restrições que tantas vezes ocorrem, a versão de um dos principais acusados, o banqueiro Fábio Nahoum, sócio-proprietário do Banco Vetor.

O depoimento do banqueiro ao jornalista foi uma ocasião em que se pôde entender características técnicas dessa intrincada operação. Fábio Nahoum, pela primeira vez, defendeu-se de pleno, o que não o isentou de nada.

A atitude contrária ao justiçamento sumário valeu a Nassif insinuações e represálias, inclusive a convocação, depois o convite, enfim retirado, para depor na própria CPI. Vale aqui um parêntese: os que tentam impedir que a CPI vá mais acima na apuração das responsabilidades no esquema dos títulos têm interesse em jogar toda a responsabilidade sobre Nahoum, Wagner Baptista Ramos e grupo.

Em meio a uma espécie de cerco, o jornalista lançou dúvidas sobre as intenções dos senadores Esperidião Amin, Vilson Kleinubing e Roberto Requião. Chamou-os de "cadáveres políticos", cedendo ao mal que tanto combate.

Vivemos uma época em que, a cada novo fato importante a atrair a atenção geral, agravam-se as exigências de objetividade, equilíbrio e, em extremo, justiça da imprensa.

Esse é um processo irreversível, que deveria ser incorporado ao menu das grandes coberturas: cada uma delas teria que engendrar seu oposto, a anti"cobertura", a investigação imediata das falhas da imprensa como parte integrante do processo de realização da própria cobertura.

Se essa cultura se impuser, parte dessa conquista deverá ser creditada ao risco pessoal e profissional de alguns, como Nassif.

ÉTICA

Não cabe subestimar as revelações da Comissão Parlamentar de Inquérito a respeito do contrato entre a empresa de assessoria de imprensa ADS e o Banco Vetor, a fim de "neutralizar a comissão ou prolongar suas atividades para não resultar em nada". Os trabalhos do lobby incluíam serviços de e encontros com jornalistas "para motivá-los favoravelmente".

Pode ser que os termos desse contrato sejam ridículos, o que não nega que lobbies desse tipo e mais sofisticados possam atuar e influir sobre o noticiário _e não só em Brasília.

Faltam à imprensa instrumentos para servir-se dos lobbies como forma de aproximar-se da verdade e não ser instrumento deles. Seja o que for, a imagem da imprensa saiu mais desgastada do episódio.


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