Folha de S. Paulo


Por pouco

Depois de um período de muita confusão de informações, a impressão que se tem, ao ler os jornais e assistir aos noticiários de televisão nos últimos dias, é de que a votação do direito de o presidente Fernando Henrique Cardoso concorrer à reeleição complicou-se, de maneira súbita e inexplicável.

Muitos podem ter ficado com a equivocada percepção, ao ler os jornais, de que o apoio à tese da reeleição entre os deputados era tranquilo e maciço.

Podem também ter ficado perplexos com a inesperada evaporação desse apoio ao governo na Câmara, no estreito período entre a sexta-feira da semana passada e a convenção do PMDB de domingo, quando ficou claro que o caldo governista entornara de vez.

Havia um clima de ''já ganhou'', fomentado pelos gabinetes das lideranças governistas no Congresso e que encontrou terreno para livre curso nos meios de comunicação.

Avaliações muito otimistas eram reproduzidas, sem que se desse muita importância àqueles que, à direita e à esquerda, asseguravam que o governo estava blefando, que não tinha a maioria que alardeava.

Como é normal na política, a disputa passava por uma guerra de comunicação. E a mídia já tinha feito uma opção nessa guerra.

O primeiro veículo a se libertar da manipulação oficial foi esta Folha, com dois levantamentos das opiniões dos deputados sobre a reeleição, publicados na sexta-feira da semana passada e no dia seguinte.

As duas pesquisas, conduzidas em paralelo, uma por um grupo de repórteres e a segunda pelo Datafolha, invertiam drasticamente as expectativas divulgadas pelos canais governistas. Mostravam que a emenda da reeleição estava longe, muito longe de obter os apoios na quantidade necessária à sua aprovação.

Depois disso, surgiram outras avaliações, as próprias autoridades admitiram a ''mintchura'', ficou clara a tática oficial de atrair apoios por ''gravidade'', como foi dito, ou seja, via discreta manipulação da opinião pública e da opinião dos parlamentares com a inocente ajuda dos meios de comunicação.

O desmonte da estratégia foi possível graças ao trabalho dos repórteres envolvidos exclusivamente durante três dias no levantamento (Ana Maria Mandim, Augusto Gazir, Daniela Falcão, Francisco Câmpera, Paulo Silva Pinto e Xico Sá) e ao Datafolha, pela pesquisa publicada em seguida.

Permanece, entretanto, a pergunta mais importante: por que ainda hoje a mídia em geral, mesmo aquela mais independente e iconoclasta, continua tão vulnerável a ponto de quase se entregar a manipulações numéricas?

Por que revela-se tão pouco crítica, mostra-se nestes tempos, talvez como nunca antes, disposta a se submeter ao governo?

Este será o tema do Bate-papo com o ombudsman, quarta-feira, das 18h30 às 19h30 no Universo Online.

A VEZ DO KAMIKAZE

Os leitores atenderam o convite feito aqui na semana passada para debater a questão do jornalista japonês que furou o bloqueio policial e invadiu a embaixada do Japão em Lima para obter uma entrevista com os guerrilheiros do Tupac Amaru.

André Gomes de Assis, de Ouro Fino (MG), diz que os integrantes do Tupac Amaru não são criminosos comuns. Segundo ele, ''nessas circunstâncias, o sequestro torna-se uma batalha de propaganda entre a esquerda armada e o governo. Se não, que dizer da ridícula reivindicação dos guerrilheiros de mudança da política econômica do governo? Sob esse ponto de vista, dificilmente os guerrilheiros disparariam algum tiro ante o gesto do jornalista Tsuyoshi''.

Marcio Vaz Fernandes, de São Paulo, concorda com a atitude do repórter japonês, mas faz um alerta: ''É necessário que o jornalista ambicioso, que se lança a situações perigosas em busca de bons resultados, saiba avaliar o que é oportuno ou não num determinado momento''.

A vantagem de encerrar um debate é que você pode ficar com a última opinião. A minha difere das anteriores.

Parto da opinião de que a ação do jornalista expôs, mesmo que limitadamente, a vida dos reféns.

Fico, assim, por analogia, com o que prescreve o verbete ''razões de segurança'' do ''Novo Manual da Redação'': ''A Folha... pode decidir omitir informação cuja divulgação coloque em rico a segurança pública, de pessoa ou de empresa''.

Se pode deixar de publicar, pode, e deve, pelas mesmas razões de segurança, deixar de apurar. Tenho dito.


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