Folha de S. Paulo


Mistério na aldeia

Dez dias depois de que a notícia veio a público através da Funai, o país ainda não sabe ao certo o que aconteceu na aldeia Haximu, dos ianomâmis. A imprensa e o governo não conseguiram levantar evidências a respeito da extensão do massacre, de seus autores e motivações.

Aparecem ossadas, restos de fogueiras, cinzas, mas ainda já dúvidas por todo lado. Sabe-se que alguma coisa, provavelmente grave, ocorreu, mas não se tem ideia exatamente do quê. As testemunhas, ianomâmis, dão depoimentos que soam contraditórios, quando conseguem ser entendidas pelo homem branco. O número de vítimas já foi avaliado sucessivamente em 19, 40 e 70, embora ainda haja quem duvide de que tenha havido sequer um morto.

Não se sabe as razões que teriam desencadeado o suposto conflito entre garimpeiros e índios. Duvida-se mesmo que o massacre tenha ocorrido em território brasileiro. A rigor, naquela terra ninguém não se sabe nem onde termina o Brasil e começa a Venezuela.

A imprensa mostrou impotência só vista nas coberturas de guerra. Sem condições de apurar diretamente os fatos, os jornalistas dependem desde o primeiro momento das informações colocadas à disposição pelo governo. O local é de difícil acesso. Para chegar lá, só com helicópteros, pilotos e guias fornecidos pelas autoridades. Na maior parte do tempo, os enviados especiais ficam em Boa Vista, à espera de novidades apuradas por gente do governo. Nenhum jornalista fala a língua dos índios, para chegar diretamente com eles as versões.

Apesar de toda a precariedade com que foram obtidas, as informações e versões atiradas a esmo pelo governo brasileiro (marcado por escândalos internacionais como o assassinato de Chico Mendes, as queimadas e a chacina da Candelária) tiveram imediata receptividade por parte dos meios de comunicação.

Há ao menos uma boa razão para isso. Quando o governo vem a público para anunciar mais uma chacina hedionda não havia porque duvidar da veracidade das notícias. Afinal, qual a administração que se preocuparia em exagerar as dimensões de um incidente destes, tão negativo para a sua imagem? Quando o próprio ministro da Justiça, enviado à aldeia pelo presidente Itamar, reforçou as versões sobre a gravidade da chacina, restaram menos razões ainda para dúvidas.

A praxe nesses casos é o governo tentar minimizar e ocultar. O raciocínio lógico seria o de que a tragédia na aldeia ianomâmi tivesse proporções ainda mais graves do que as autoridades divulgavam, não o contrário.

Pode ser até que o governo tenha reagido de maneira culpada, movido pela precipitação de reconhecer logo e não dar a ideia de que montara uma operação de acobertamento da ação criminosa de um grupo de garimpeiros. No campo político mais geral, a correção de forças hoje favorece as causas indígenas e é desfavorável aos garimpeiros. Há interesse das autoridades, portanto, em mostrar-se ao lado dos ianomâmis.
Seja qual for o motivo, parece não ter havido do governo e da imprensa interesse em checar a materialidade das versões apresentadas. O relato chegou rápido, foi aceito e correu o mundo. Gerou protestos, um mistério especial foi criado e, entretanto, ainda não se tem certeza do que ocorrei.

Alguns dias depois da adesão inicial, o noticiário passou a se ocupar mais dos aspectos duvidosos no caso. A atitude inicial mais ousada seria a cautela, a de aguardar a confirmação das versões antes de corroborar o que o governo divulgava. Mas quem, sob o risco de ser furado pela concorrência, tem peito de ser cauteloso numa hora dessas?

Redesenhando
"O Estado de S. Paulo" saiu domingo passado com inovações gráficas. Mudou a concepção da primeira página, alterou tipos de letras usados em títulos e textos, introduziu novos fios, tarjas e chapéus (espécie de sobretítulos) nas páginas internas e lançou um concurso para ver se leitores aceitam mudar a cor do logotipo.

Essa é uma das mais amplas reformas gráficas já feitas por "O Estado". Constitui nova tentativa de reação ao sucesso comercial da edição de domingo da Folha (702 mil exemplares no domingo passado contra 491 mil de "O Estado").

Embora sejam mais leves e facilitem a leitura, os tipos de letras e a nova diagramação dão um tom de informe publicitário às páginas internas, talvez por um infeliz coincidência com certos cadernos promocionais do próprio jornal. A capa de domingo, bem colorida, apossa na chamada revistização das edições dominicais. Com o público feminino e os jovens na mira, parece haver mais opção por dar mais destaque para reportagens sobre temas fáceis (do tipo família real inglesa ou perfis de astros de novelas da Globo).

A "eleição" para mudança do logotipo apela à demagogia. Os editores de "O Estado" parecem se eximir da responsabilidade de fazer uma opção e assumir as consequências. Intensa campanha publicitária tenta desvincular o jornal de sua imagem tradicional, associada a ideias tradicionais, texto difícil de ler e visual feio.

Ao mudar, "O Estado" radicaliza a tendência de afastar-se ainda mais de sua identidade, procura chegar mais perto da imagem da juventude associada à Folha. Como ocorreu nas últimas vezes em que se processaram mudanças na mesma direção, a tendência é de que os leitores acreditem mais no original do que na cópia.

Antes que "O Estado" fizesse sua reforma, a Folha também alterou a capa. Sem estardalhaço, ao contrário do que é a norma. O tamanho do logotipo foi aumentado (talvez para neutralizar o "plus" do possível uso da cor azul no concorrente) e o fio-data da capa (onde ficam a data da edição e outras informações) ganhou mais destaques. Agora sai em letras brancas sobre fundo vermelho.

Em matéria de adoção de cores e mudança de embalagem, os dois grandes jornais de São Paulo mostram novidades. O mesmo não s pode dizer, infelizmente, quanto ao rigor e à confiabilidade das informações que veiculam, como demonstra a cobertura do massacre dos ianomâmis.


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