Folha de S. Paulo


A Folha quebra o sigilo da fonte

Folha e "Jornal do Brasil" adotaram atitude extrema e quebraram na terça-feira passada o sigilo do nome de uma fonte. Em suas primeiras páginas, os dois jornais atribuíram ao presidente da Telemig, Roberto Medeiros, amigo pessoal do presidente, a inconfidência de ter passado à imprensa o comentário reservado que Itamar teria feio durante um chope em Juiz de Fora.

No domingo passado, Medeiros transmitiu à imprensa, "off the record", a informação de que o presidente Itamar temia que um "arrastão social" levasse o país a adiar as eleições do ano que vem. Na segunda- feira, depois de ler as manchetes dos jornais (Folha, "O Estado", "O Globo" e "JB" deram a notícia com diferentes destaques), o presidente Itamar negou que tivesse usado a expressão "arrastão social" e que temesse o adiamento da eleição.

Quando os jornalistas foram solicitar a Roberto Medeiros, este declarou que fora mal-interpretado e que Itamar não fizera nenhuma referência ao tal "arrastão". É estranho que vários jornalistas tenham ouvido "arrastão social" e publicado a expressão em seus jornais.

Na hipótese de Medeiros não ter usado o termo, ele só poderia ter surgido então de uma combinação entre os enviados dos diversos jornais de Juiz de Fora. Essa era a suposição implícita no desmentido de Itamar e na declaração de Medeiros. Aí Folha e "JB" retaliaram.

Não há determinação clara do Novo Manual da Redação da Folha, publicado no ano passado, a respeito de como o jornal deve proceder em situações como essa. A versão anterior do manual, de 1987, tinha trecho que determinava a quebra do sigilo em caso mais drástico: "Se uma fonte mente ao jornalista passando uma informação 'off' que depois se revela falsa, é obrigatório revelar ao leitor o nome do responsável pelo erro de informação".

Não é plausível acreditar que Medeiros tenha deliberadamente passado informação falsa aos quatro jornais mais importantes do país juntos. O mais provável é que ele tenha simplesmente se arrependido de ter revelado detalhes mais comprometedores ou que tenha atribuído ao presidente termos que na verdade eram dele, Medeiros.

A secretária de Redação Eleonora de Lucena declara que a Folha viu-se obrigada a quebrar o sigilo da fonte depois que Medeiros desmentiu que tivesse passado declarações com aquele teor aos jornais: "Era importante deixar claro que a suposta declaração do presidente da República não fora uma criação da Folha".

De fato, a suposta declaração presidencial trazia consigo elementos de intranquilidade política e institucional. Jornal acusado de inventar algo tão grave teria sua credibilidade posa em xeque. Mais ainda a Folha, de quem o presidente teria se queixado em diferentes situações.
Mas há aspectos éticos que o jornal não considerou. Era importante explicar aos leitores as razões que levavam a revelar a identidade do informante. O sigilo da fonte é uma das instituições mais importantes do jornalismo. Toda pessoa ou organização que transmite em segredo informações à imprensa deve ter garantias de que sua identidade será preservada. Só com a certeza do anonimato uma fonte com acesso a informações importante revela o que sabe à imprensa. O sigilo da fonte permite que o leitor se aproxime da verdade, neutraliza as versões oficiais.

Quando esse sigilo é quebrado, o jornal deve vir a público esclarecer o que o levou a romper o compromisso ético com sua fonte. Essa é a única maneira de evitar que ouras pessoas temam passar informações confidenciais, o que prejudicaria o jornalismo e enfraqueceria a vigilância que a imprensa deve exercer sobre as instituições.

Em outras ocasiões, a Folha expôs e até fez um certo marketing de suas decisões no terreno ético e jornalístico. Não havia por que deixar de ser transparente também neste episódio.


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