Folha de S. Paulo


Publicidade e jornalismo

É cada vez mais próxima a interpenetração do que é publicidade e noticiário nas páginas dos jornais. O fenômeno atinge hoje proporções únicas, com repercussões que não podem ser desconhecidas no campo da qualidade jornalística, da credibilidade dos veículos e da ética.

A capa da Ilustrada de sexta-feira passada foi um exemplo. Ao lado e embaixo de uma reportagem sobre a Paris do tempo dos impressionistas, um anúncio de vinho com nome francês. A garrafa de vinho do anúncio estava junto na foto do quadro de Manet "um bar no Folies-Bergere", também cheio de garrafas de bebidas.

É interessante perceber que não havia nenhuma linha que delimitasse graficamente onde terminava o jornalismo e começava a publicidade. Segundo a secretária de Redação da Folha Eleonora de Lucena, houve um equívoco. O fio deveria ter sido colocado. Mas o engano expressa algo mais profundo, na minha opinião: a antiga, por vezes exagerada e saudável distância entre os dois campos fica cada vez mais estreita.

A onde afeta até o espaço mais respeitado do colunismo político nacional. A coluna de Jânio de Freitas também teve que se amoldar aos contornos de anúncio de loja de eletrodomésticos no domingo passado. É verdade que a Folha não chegou ao exagero verificado recentemente no "Jornal da Tarde", quando um anúncio "diferente" chegou ao ponto de cortar ao meio o nome do jornalista que assinava a reportagem.

Como informa Antonio Carlos de Moura, diretor comercial da Folha, os anunciantes são cada vez mais agressivos no uso de anúncios diferenciados. "O leitor sabe identificar o que é publicidade e o que é reportagem. O essencial para que um anúncio funcione é que ele seja criativo e bem produzido, tanto na forma convencional como nos novos formatos. Estes são uma tendência internacional e quem não se adaptar acaba fazendo jornalismo dos anos 20".

A última edição do Manual de Redação da Folha seguiu tendência levemente mais liberal ao regular a disposição de anúncios, mas, como a anterior, estabeleceu que o material publicitário deve ser claramente identificado para o leitor, de maneira a evitar confissão. Ainda de acordo com Eleonora de Lucena, o "essencial é que a Folha jamais submete suas reportagens aos interesses deste ou daquele anunciante. A publicidade não interfere no conteúdo das reportagens". Ela informa que anúncios cujo formato interferem em demasia com o projeto gráfico do jornal têm sido recusados.

É chover no molhado falar da importância da publicidade (principalmente da que dispersa pelo maior numero possível de anunciantes) para a independência econômica e, em consequência, política de uma grande publicação. Só o dinheiro dos anúncios permite que o preço de capa dos jornais seja relativamente baixo. Antes considerada apenas como instrumento para iludir o consumidor, a publicidade é cada vez mais aceita como um serviço "informativo", auxiliar importante na hora da tomada de decisões a respeito do que comprar.

A nova suposta "harmonia" entre jornalismo e possibilidades comerciais é apenas aparente. Ela impõe, sim, novos desafios. No jornal-empresa e na situação competitiva de hoje, explorar as possibilidades comerciais é uma realidade inarredável. Aos jornalistas, a bem dos leitores, compete desenvolver de maneira clara os limites dessa convivência. Um bom início seria revitalizar e aplicar a regra segundo a qual a publicidade deve ser sempre clara e inequivocamente identificada e interferir o mínimo possível na relação entre leitor e o noticiário


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