Folha de S. Paulo


Leitores querem de volta roteiro cultural

Desde o dia 10 de maio, a Folha deixou de publicar a programação de cinema, teatro, shows e restaurantes nos jornais destinados aos leitores de fora da região metropolitana de São Paulo, que recebem a edição nacional do jornal, fechada diariamente às 21h. As páginas antes ocupadas pelo roteiro de cinemas, teatros, etc, passaram a trazer reportagens e críticas. A partir da mesma data, a edição São Paulo, que circula na capital e fecha às 23h30, além de incluir o novo espaço com reportagens, incorporou também um encarte diário de quatro páginas, com o mais extenso roteiro cultural e de entretenimento que é publicado pela imprensa diária paulista.

Sem prévio aviso, criou-se, mais uma diferença no tratamento dado pelo jornal ao leitor da capital de São Paulo e ao de outras regiões. O leitor que se acostumou a ler o que estava em cartaz em São Paulo foi, de uma hora para outra, simplesmente privado dessas informações. Estes, prejudicados, reclamaram. De Vitória, a professora Maria Tereza Carvalho queixou-se de que dependia dos roteiros para programar suas vindas a São Paulo.

Moradores das cidades localizadas a pouca distância da capital foram ainda mais enfáticos. De Campinas, Itu, Cotia e Jundiaí vieram reclamações de gente que acusava o jornal de tumultuar seu esquema de vida. Houve quem argumentasse que o tempo de viagem entre algumas cidades e os cinemas da capital é menor do que o de quem se desloca entre algumas regiões do Município de São Paulo.

Roteiros culturais têm alto índice de leitura não apenas entre pessoas que se utilizam deles de uma maneira prática, para tomar alguma decisão. Com informações leves, objetivas, rápidas, linguagem fácil e em geral neutra, eles são um espaço de prazer em meio ao tom pesado, dirigista, desanimador e inacessível que frequentemente caracteriza o noticiário nas outras aras do jornal.

Para leitores de cidades menores e distantes, saber em mais detalhes o que ocorre na área cultural em São Paulo significa uma oportunidade de responder ao fascínio exercido pela "grande metrópole". Nessas seções, eles saboreiam um pouco do pouco que existe de instigante em São Paulo, sentem-se menos expostos à estagnação e ao provincianismo. Assim, deixar de entregar o "Acontece" para esses leitores é privá-los de algo mais do que apenas um roteiro cultural.

O comando da Redação da Folha, de quem partiu a decisão, declara que ela deveu-se a razões de racionalização do uso do espaço. Segundo a secretária de Redação, Eleonora de Lucena, o roteiro não tem tanta utilidade fora de São Paulo, menos ainda quando ele é repetido, basicamente, com as mesmas informações todos os dias.

"O espaço é melhor aproveitado se for usado para publicação de reportagens da Ilustrada, que vem passando por reformulações para que se torne um caderno mais denso, rico, com textos e temas de maior qualidade", diz Lucena. Há ainda razões de logística. "Precisamos fechar o jornal cedo para que ele esteja o mais cedo possível na casa dos leitores. Isso implica fazer um roteiro mais precário, pois há muitas mudanças na programação, feitas em cima da hora. Buscamos atender os dois lados. A capital tem mais roteiros, as outras cidades têm reportagens no espaço antes ocupado pelo Acontece".

Há um inegável componente mercadológico na infeliz decisão da Folha. As vendas nas bancas da capital de São Paulo constituem hoje o principal campo de disputa entre Folha e o seu concorrente "O Estado". Interessa, então reforçar ao máximo o jornal nessa área, o único grande mercado em que a Folha ainda não conseguiu abrir vantagem nítida, especialmente aos domingos.

Sentindo a repercussão negativa, a Folha promete para breve a volta de um roteiro que circularia uma vez por semana junto com a edição nacional. O jornal tem sempre alterado seções e ao mesmo suprimido partes a que os leitores se acostumaram, colhendo reações muitas vezes iradas, mas também com um crescente aumento geral de suas vendas.

Talvez por excesso de auto-confiança, a Folha agora tenha apenas contribuído para irritar um pouco mais leitores que nada têm a ver com a disputa na capital.

LOUCURAS DO JORNALISMO
Reportagem da Folha sobre os "loucos de rua" trouxe um quadro com nomes e endereços de 22 deles na edição de 9 de maio passado.

Uma das pessoas incluídas no quadro como loucura, Flora Cecy Sernagioto, telefonou para protestar. Pergunta se todas as pessoas que usam rolos no cabelo, cuidam de animais e usam maquiagem para ir ao banco devem ser incluídas numa reportagem sobre doidos.

O texto da Folha, que visava a questionar a discriminação contra essas pessoas, foi feito com base num levantamento realizado pela psicanalista Miriam Chnaiderman para um filme de sua autonomia.

Sem encher todos os nomes da lista, a Folha publicou-a integralmente. Consultada a respeito, Chnaiderman diz que Flora tem casa própria, não podendo ser chamada de "loucura de rua". Acrescenta que, no projeto de seu documentário, Flora está claramente diferente das outras pessoas que têm sido entrevistadas.

Assim, o jornal, com a melhor das intenções, qualificou como "louca" uma pessoa a quem não foi dada a menor chance. Ontem, Chnaiderman teve sua carta publicada no Painel do Leitor.


Endereço da página: