Folha de S. Paulo


O batismo do Plano Carnaval

Nos Estados Unidos há uma tradição. É a chamada lua-de-mel. Todo governo em início de mandato merece um período de trégua. São cem dias em que os veículos de comunicação fazem um esforço para ser benevolentes.

No Brasil, o primeiro impulso é sempre de adesão ao governo que começa. Os índices de popularidade do novo presidente são sempre altos, o que é um estímulo a mais. No começo do governo Collor o namoro foi logo tumultuado pela invasão do prédio da Folha pela Polícia Federal. O jornal reagiu comparando-o a Mussolini. Cedo estaria pregando o impeachment. As coisas ficaram logo claras.

Nessa administração Itamar, não houve formalidades. A Folha criou logo a denominação "República do Pão de Queijo". A dose de ironia foi exagerada. Houve reação de muitos leitores mineiros. O lema sumiu.

PERPLEXIDADE

O recuo coincidiu com uma certa perplexidade diante da surpreendente capacidade operativa do presidente. Enquanto cobrava providências (inócuas, até agora) de controle dos preços, o presidente manobrava pelo impeachment de Collor no Congresso, reagia a seu solitário oponente, o governador Antônio Carlos Magalhães, e preparava incursões tão inesperadas como o convite à ex-prefeita Erundina para o ministério. Mais uma razão para o nome sumir: foi um início que sugeriu tudo menos a fofa letargia de um pão de queijo.

Mesmo a Folha demonstrou uma ponta de entusiasmos pela nova era antiliberal, nacionalista e social. Mas na semana que passou, as relações entre o novo governo e a imprensa parecem ter se encaminhado novamente para a normalidade.

PLANO

Com a manchete de quarta-feira passada -"Governo prepara o Plano Carnaval"- a Folha anunciava o que parecia um furo de reportagem. O exto, de autoria do diretor-executivo da Sucursal de Brasília Josias de Souza, informava que o governo vinha submetendo a estudos um conjunto de medidas para baixar a inflação.
Na verdade, a própria Folha e outros jornais já vinham divulgando notícias a respeito desses estudos. Na segunda-feira, o próprio presidente dera a entender que preparava medidas econômicas a serem anunciadas após o carnaval -o que mereceu manchete de "O Globo" no dia seguinte.

CARNAVAL

A reportagem da Folha na quarta-feira apenas consolidava essas informações como um "pacote" e batizava-as de "Plano Carnaval". O texto não adiantava nenhuma das propostas em estudo.

Em consequência da manchete, o dólar subiu, as bolsas oscilaram e a boataria foi grande. O próprio presidente veio a público para negar a existência do plano e acusa o jornal de inventar a notícia em benefício de especuladores. Itamar disse ainda que o jornalista Josias de Souza era mentiroso e não respeitava sai profissão.

Exageros retóricos de lado, o presidente reage sem razão. O próprio ministro da Fazenda admite que há um "programa" de estabilização da inflação em estudos e não há nada de errado nisso. A Folha dez o que tinha que fazer. Embora correta na essência -é obrigação do jornal reunir indícios e alertar para medidas em providências do governo- a ação da Folha errou em outros aspectos.

Foi a Redação do jornal que atribuiu, por sua conta e risco, um nome ao conjunto de medidas: "Plano Carnaval", assim mesmo, com maiúsculas. Em si, o procedimento não tem nada de errado. Outros planos foram batizados pela Folha e por outros jornais. Mas o jornal não informou a seus leitores o fato de que esse nome tão forte usado pelo governo e sim um cognome inventado peça própria Folha.

Ao contrário, o texto publicado referia-se ao "chamado Plano Carnaval", como se ele já viesse sendo assim denominado por quem o conhecia, ou seja, por seus autores. Na verdade, só a Folha o chamava assim. No afã de valorizar a reportagem, o jornal acabou deixando a informação ambígua.

Em defesa do nome que usou, a Secretaria da Redação da Folha diz que induziu a quem se chamasse o plano de Carnaval foi o próprio presidente ao usar seguidas imagens -pierrôs e colombinas- quando se referia às medidas econômicas e à época em que o programa seria definido: "A lógica do nome usado é a mesma que orientou nomes de planos anteriores, alguma alusão ao período de edição do plano ou ao seu autor. Daí vieram os batismos dos planos Bresser. Collor e Verão, por exemplo".

Como aponta o leitor Emerson Emerenciano, de Recife, o nome Carnaval, atribuído a um plano econômico, é desnecessariamente jocoso. Obrigado a assumir a paternidade de um programa que examinava em segredo e a herdar um nome com todo jeito de fracasso, o governo obviamente recuou. A Folha foi mais uma vez crítica, atenta e investigativa, mas também errou a mão na ironia e induziu a equívocos.

ALTA E BAIXA

ALTA para "O Estado de S. Paulo" por antecipar, ainda no começo da semana retrasada, a intenção presidencial de oferecer um ministério à ex-prefeita Luiza Erundina.


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