Folha de S. Paulo


Lições do Collorgate

A maneira como a imprensa acompanhou o chamado Collorgate consagra em definitivo a hegemonia do tipo de jornalismo praticado mais ostensivamente pela Folha desde os anos 70, com ênfase especial na última década.

Não é exagero considerar que sem as transformações impostas pelo sucesso do padrão Folha de jornalismos a alguns importantes veículos -mesmo aos que negam essa influencia- seria pouco provável que as investigações da imprensa, do Judiciário e do Legislativo resultasse em algo tão grave e complexo com o afastamento constitucional do presidente da República eleito.

Uma observação sincera das mudanças em processo em "O Estado de S. Paulo" e "O Globo" evidencia que a face do jornalismo brasileiro dos próximos tempos tende cada vez mais a se aproximar ainda mais, de uma maneira ou de outra, do que a Folha tem sido.

Mas é obrigatório saber que nessa cobertura, o jornal mais se destacou pela coerência de sua atitude crítica diante de Collor. Tal posição já ficou clara na campanha eleitoral de 1989 e não se alterou segundo as oscilações dos índices de popularidade do presidente. Foi mais por consistência do que pelo levantamento das informações mais sensacionais que a Folha saiu com sua credibilidade reforçada nesse episódio.

Vale notar que enquanto o Collorgate se destrançava aos olhos de todos, a Presidência da República tentou mas não pôde, ao contrário do que ocorreu em outros períodos da história do país, estigmatizar o noticiário como resultado da manipulação dos partidos de oposição, ou de forças ocultas, ou de conspirações externas.

Na base desse novo espírito jornalístico pode estar um fenômeno bem mais amplo. Este seria a contrapartida cultural tardia ao desenvolvimento econômico das décadas de 60 e 70, da urbanização acelerada e frustrante, da ampliação da educação básica. Nessa sociedade mais "técnica", "industrial" estaria se exacerbando, depois de fracassadas tentativas em diferentes situações, uma atitude mais cética, "científica", menos encantada em face do poder. A repercussão desse processo pode ser vista de alguma maneira também no sentido "isento", cru, que Legislativo, Judiciário e a polícia têm procurado imprimir em suas decisões a respeito do presidente Collor. Até nas manifestações de rua faz-se concessões a esse fascínio pela "despartidarização".

À cobertura crescentemente "fria" da mídia, corresponde a uma frieza que se acumulou na sociedade. A Folha captou na frente essa atitude, já na década passada, em meio a zombaria, ao desprezo blase e depois até ao ódio de quase todas as áreas do meio jornalístico. Guardadas as proporções, o jornalismo de Boris Casoy no SBT, suscitou reações análogas na televisão. A TV Globo, entretanto, absorve as mudanças com rapidez. É curiosa a constatação de que as maiores contribuições ao jornalismo contemporâneo do país tenha advindo de iniciativas bancadas por empresários a seu tempo considerados "estranhos" pelo establishment do setor -Octavio Frias de Oliveira e Calos Caldeira Filho, na Folha: Silvio Santos, no SBT.

Episódio único, o Collorgate tonificou e deu sentido a democracia no Brasil. A imprensa -em graus diferentes e por várias razões, de acordo com cada veículo- assumiu maiores responsabilidades no correto funcionamento do regime democrático, chegando mesmo a desafiar o poder em nome de seus leitores, ampliando seu espaço no debate político. O jornalismo no Brasil nunca mais será como antes. Um passo enorme foi dado.

ALTA E BAIXA

ALTA para Folha e Veja, por suas edições extras sobre o impeachment. A da Folha estava nas ruas minutos após a decisão da Câmara. Foi vendida em bancas e em manifestações de rua.


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