Folha de S. Paulo


Corrupção e manipulação

Uma das mais frequentes sugestões que aparecem no Painel do Leitor diz respeito a criação de uma seção fixa na Folha destinada a acompanhar "até o fim" a apuração dos inúmeros casos de corrupção no país.

A impulsionar as propostas parece estar um anseio coletivo de que haja algumas compensações para o incômodo representado por tantas denúncias que terminam em nada a não ser no arquivamento de processos que as apuram.

O suposto crime é denunciado, causando choque, frustração e mau humor no período em que aparece nas primeiras páginas dos jornais. Depois, aos poucos, cai num limbo e acaba esquecido. O destaque inicial prenuncia uma devassa reveladora que ao final não se concretiza.

Periodicamente surge um novo caso que ajuda a sepultar o anterior. A incidência parece depender mais das flutuações da popularidade do governo do que propriamente da qualidade ou da quantidade dos casos realmente ocorridos.

Frente à denúncia, tem-se o recorrente incômodo de descobrir que se está sendo lesado, mas quase nunca é possível ter ao menos a contrapartida de uma punição, ou melhor, a conclusão de prova provada de que afinal não houve o aludido assalto aos cofres públicos: de que o acusado, afinal, seria realmente inocente.

Este processo entrecortado deixa ao país uma sensação de impotência semelhante à de quem caminha em falso sem sair do lugar no terreno da moral administrativa. Sem que suas conclusões sejam divulgadas em detalhes, a "apuração exemplar" dos crimes de corrupção acaba não cumprindo sua função pedagógica. O "exemplo" não existe. No lugar surge a impressão de que não há como controlar o problema, com os prejuízos para a imagem da democracia daí decorrentes.

Há várias responsabilidades a repartir na questão, inclusive com a imprensa. O esquecimento a que são destinadas as denúncias de corrupção que os jornais e revistas levantam acaba resultando em desgaste dos próprios veículos.

Não há como evitar a impressão - incorreta, mas não de todo - de que os jornais façam demagogia com elas, de que à imprensa importa apenas faturar o brilhareco episódico em cima das revelações, sem que façam barulho correspondente na hora de acompanhar o rigor das providências em relação às denúncias que faz.

É óbvio que não cabe à imprensa punir a corrupção, mas cabe sim prover as informações que permitam à sociedade encarar de maneira mais consequente, localizar as dificuldades que impedem a punição dos culpados - e isso não está acontecendo.

Na terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou com modificações projeto enviado pelo governo estabelecendo maior rigor para a punição de funcionários públicos culpados de enriquecimento ilícito. Seria de se esperar que os jornais dessem menor destaque ao tema do que dão normalmente aos crimes que a lei visa reprimir. O apelo de uma lei é menor. Não vende como se diz, mas o menosprezo foi exagerado.

Dos jornais, o que menos destaque ao assunto foi a Folha, que não fez mais do que um registro em uma página interna. O fenômeno demonstra que há uma inversão de prioridades na agenda da imprensa que afeta a qualidade do seu trabalho. Já foi dito que uma das maiores formas de manipulação da informação é dar importância àquilo que na verdade não tem importância real.

Num âmbito político mais geral, o problema é ainda mais grave. Por mais que suas manifestações causem repulsa, não está na corrupção o cerne dos problemas nacionais. Há outros muito mais graves e básicos que não merecem da imprensa atenção proporcional à sua relevância. Vale notar que os que os especialistas em descobrir falcatruas têm mais chances de se tornarem mais conhecidos e valorizados que os jornalistas de outras áreas. É compreensível que seja assim, mas talvez haja nisso, para além da influência dos valores pessoais, uma distorção, sem exagero.

Sinal dessa inversão de prioridades é o total desconhecimento com que foi recebida na Folha a divulgação de uma queda no índice de analfabetismo no país, de 22,8% em 1981 para 18,3% em 1990, durante a chamada "década perdida"), também na terça-feira passada. Existiria indicador mais relevante, mais digno de acompanhamento e debate?

RETRANCA

Esta coluna errou no domingo passado ao informar que a notícia da absolvição dos policiais que espancaram Rodney King chegara à Redação da Folha às 23h da quarta-feira, 29 de abril. A notícia foi enviada pelo correspondente em Washington, Carlos Eduardo Lins da Silva, às 19h43 daquela noite. A editoria de Exterior é que só percebeu a chegada daquele texto bem mais tarde.

ALTA E BAIXA

BAIXA para a Folha, por publicar manchete, na segunda-feira passada que o presidente Collor responsabilizara o coordenador político do Planalto, Jorge Bornhausen, pela derrota sofrida pelo governo na votação da periodicidade dos reajustes do salário mínimo. Ao contrário do que determina o verbete "ouvir o outro lado" do Manual de Redação, a Folha até hoje não divulgou a versão de Bornhausen sobre o episódio.

BAIXA para "O Estado de S. Paulo", cuja média de circulação total (venda avulsa mais assinaturas) em março foi a pior para este mês de 1989. A Folha parece estar trocando seus leitores nos dias de semana (que têm diminuído) pelos compradores da edição de domingo. A vantagem da Folha em relação a "O Estado de S. Paulo" é, entretanto inédita: 62,95% a mais na média de circulação total paga.


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