Folha de S. Paulo


A moral dos palavrões

Pode o maior jornal do país reproduzir palavrões cabeludos supostamente proferidos pelo vice-presidente da República, Itamar Franco, a respeito de seu adversário político, o governador baiano, Antônio Carlos Magalhães? A Folha reproduziu-os no domingo passado e até hoje tem que arcar com as consequências, positivas e negativas. O governador protestou em mensagem à direção da Folha. O vice-presidente também por meio de um fax dirigido a este ombudsman.

Por mais que a manutenção da polêmica acabe resultando em desvantagem política para o vice, é inevitável tratar do assunto. Diz o texto, enviado na terça-feira passada: "Li na Folha de S.Paulo de domingo p.p., 23 de agosto, às fls. 1-8. Sob o título genérico 'Bastidores do Collorgate', expressão a mim atribuída que não corresponde à verdade dos fatos por conter expressões grosseiras que não fazem parte de meu vocabulário cotidiano."

"Minha estranheza cresce na medida em que o texto foi reproduzido entre aspas."

"Por mais que tenha consultado o Manual Geral da Redação desse importante órgão da imprensa diária brasileira (2ª edição revista e ampliada, 1987) nos verbetes obscenidades, palavrões, Secretaria de Redação, assinatura de textos, transcrições e declarações textuais, não encontrei explicações para o lamentável episódio. Assim, permita-me esta carta com a única finalidade de reafirmar que meu comportamento e postura não se coadunam com o desrespeito às pessoas e muito menos aquela linguagem, com as características da sociedade brasileira. Atenciosamente, Itamar Franco."

A REPORTAGEM

A delicada mensagem do vicepresidente refere-se a um trecho de uma reportagem escrita pelos dois diretores da Sucursal de Brasília, Gilberto Dimenstein e Josias de Souza, sobre bastidores do Collorgate. Para a reportagem, os dois jornalistas trabalharam oito dias ouvindo 20 fontes diferente; no Congresso e no Executivo. Numa passagem de texto, ao tomar conhecimento de declarações de ACM, segundo as quais Itamar não teria legitimidade para assumir a Presidência da República, o vice teria reagido intempestivamente. Diante de amigos e assessores, ele teria dirigido impropérios que atingiam a mãe de ACM e mandado que ele fosse tomar naquele lugar.

Ainda no domingo, depois que circulou a Folha com reportagem, Itamar emitiu uma contestação. A nota foi reproduzida com destaque pelo "Fantástico" da Rede Globo e pelos jornais na segunda-feira. Na Folha, inexplicavelmente, ele mereceu apenas uma pequena nota na última edição dirigida a São Paulo e Distrito Federal. No jornal que foi para os outros Estados não havia qualquer referência.

REAÇÃO DE ACM

Tanto a contestação de Itamar como a omissão parcial da Folha em publicá-la deram ânimo a que Antônio Carlos Magalhães por sua vez também escrevesse ao jornal. Na carta, que saiu no Painel do Leitor de quarta-feira, 26 de agosto, o governador cobra da Folha "um rumo mais condizente com a moral e os bons costumes', mas -veja só– reproduzir ele próprio o trecho cheio de palavrões veiculado no domingo, uma citação tão desagradável ao vice-presidente, justo no momento em que os adversários políticos de Itamar, ACM à frente, levantam dúvidas sobre sua legitimidade política para assumir o mais alto posto do governo.

A carta de ACM omite qualquer reparo a um outro trecho da reportagem, em que se diz no passado ele levantara insinuações acerca da vida sexual de Itamar. O que o governador sugeria à Folha, além da publicação de um desmentido, alguma "providência". É bom lembrar que um dos autores da reportagem, Gilberto Dimenstein, está sendo processado pelo governador baiano por causa de uma coluna.

VERSÕES DOS JORNALISTAS

Os autores da reportagem dizem ter obtido a informação de pessoa que presenciou a suposta explosão do vice-presidente. Afirmam ter depois cruzado a notícia com outra fonte que também testemunhou a cena.

Em Nota da Redação, respondendo à carta do governador baiano, a Folha argumenta que "o leitor tem o direito de conhecer como funcionam os bastidores da vida pública, não apenas versões oficiais. Esse é um princípio jornalístico básico, que costuma irritar as pessoas habituadas à manipulação de informações".

A reprodução de palavrões não é proibida pelo Novo Manual da Folha, que recomenda que seu uso seja evitado e obriga a consulta prévia à Secretaria de Redação, o que foi feito. Pode-se questionar se a maneira literal como o jornal reproduz palavrões não é muito frequente, sendo ofensiva a uma parcela dos leitores. Há mesmo quem defenda a publicação apenas das iniciais. Quanto ao mérito, embora só quem estava Itamar tenha absoluta certeza do que aconteceu, é obrigatório reconhecer que a Folha tinha informação exclusiva, relevante e checada com duas testemunhas confiáveis e colhida por dois jornalistas de seu primeiro time. Não havia porque deixar de publicá-la.

ALTA E BAIXA

BAIXA para... a Folha, por publicar na capa de Dinheiro de segunda-feira passada reportagem catastrofista sobre as perspectivas da próxima safra. Sem ouvir a versão do Ministério da Agricultura, a reportagem contrariava inteiramente outro texto, otimista, publicado no mesmo espaço duas semanas antes. O ministro da Agricultura Antonio Cabrera ligou para protestar e enviou extenso material refutando a reportagem intitulada. "Só clima salva a produção agrícola".

ALTA para... a Folha, pelo uso de metodologia científica na avaliação de multidões em São Paulo pelo impeachment de Collor. A presença em geral é exagerada pelos organizadores e até pelas PMs que não dispõem de meios para um cálculo objetivo.

ALTA para... a rede RBS, "O Estado de S. Paulo" e "Jornal do Brasil", pela reprodução dos trechos não-editados de entrevista concedida pelo presidente Collor a uma televisão argentina. Collor pôde ser visto em seu estado de espírito atual, nervoso e irritadiço. A Folha não deu.


Endereço da página: