Folha de S. Paulo


Armadilhas do Collorgate

Por mais que a se tenha a impressão de que tudo já foi dito várias vezes a respeito do Collorgate, é inevitável que esse assunto se imponha mais uma vez. A repetição diária do assunto, a lenta montagem dos diversos pedaços de atos que se desenrolam e desdobram como um filme incompleto diante dos olhos de todos, cria uma espécie de dependência nacional.

É curioso perceber que o Collorgate, ao mesmo tempo propicia aos meios de comunicação a oportunidade para a afirmação inédita de um enorme poder político de investigação da atividade estatal e privatizada, expõe também sua fraqueza intrínseca. Há quem se pergunte como, após tantas revelações espetaculares a respeito do funcionamento do esquema PC Farias e de suas articulações com o presidente Collor, o governo ainda se mantenha.

É como se o noticiário se revestisse de uma película de incredulidade que paradoxalmente se adensa a cada nova revelação. Muitos a essa altura ainda leêm o noticiário como apenas uma hipótese da verdade, não ela em si.

Fatos gravíssimos vem à luz, mas suas repercussões políticas não emergem, o sistema político e a população parecem não reagir a elas, ou reagem muito lenta e superficialmente diante de suas dimensões. Não há protestos de rua relevantes, o ministério não renuncia e a base política do governo resiste

Menos do que apatia e tolerância, deve concorrer para essa atitude de expectativa a existência do crédito no funcionamento das instâncias de investigação localizadas no Congresso e na Polícia Federal.

O país aguarda que alguma instância competente emita um juízo. Se for contra Collor, estará implicitamente reconhecido o enorme esforço de jornais e revistas -a Folha e a "Veja" sendo os mais firmes dentre eles- e das centenas de profissionais que têm trabalhado ao longo dos meses em condições adversas, em terreno mais próprio para tributaristas, fiscais da Receita e investigadores da Polícia Federal.

Cercado de indícios a apontar seu comprometimento, o núcleo do governo segue desafiando qualquer perigo. O presidente insiste em dizer que só sai do poder morto. Sua audácia ainda divide terrenos até na imprensa, aguça a impaciência de ambos os lados.

Logo após o depoimento de Cláudio Vieira na segunda-feira passada, quando surgiu a versão do empréstimo no Uruguai, houve quem se apressasse a afirmar a existência e a legalidade da transação e a descartar qualquer chance de comprometimento do presidente. Foi o caso do respeitado colunista Carlos Castello Branco, do "Jornal do Brasil" (o "JB", por sinal, tinha um enviado em Montevidéu já na segunda-feira para confirmar o depoimento de Vieira).

Na quinta-feira, dia seguinte ao desaparecimento da secretária que contradizia a versão de Vieira, foi a Folha que demonstrou sua ânsia. A manchete de quinta, em suas linha e seis colunas, e mais quatro títulos internos repetiam a mesma coisa. "A secretária derruba", "refuta", "desmonta" a versão de Vieira, forjada só para salvar o presidente do impeachment. É possível que o jornal tenha razão, mas não juntou informações capazes de sustenta-lo o suficiente. O "outro lado" da história, o de Vieira, por mais inverossímil que seja, não foi tratado com suficiente isenção. Hoje, bem ou mal, a história de Vieira ainda se mantém.

Como já foi dito, o curso do Collorgate seria outro se não fosse a independência da Folha e a oxigenação que ela propicia ao ambiente político nacional, mas é preciso evitar precipitações que a essa altura só prejudicam o que já foi obtido.

ALTA E BAIXA

BAIXA para a imprensa, furada por um parlamentar, o candidato a prefeito Eduardo Suplicy (PT-SP), que se utilizou do aparecimento da secretária para tentar faturar em termos eleitorais.

ALTA para o jornal gaúcho "Zero Hora", que conseguiu comprar um contrato igual ao de Cláudio Vieira no Uruguai.

RETRANCA

A semana foi muito favorável à Folha, no placar dos que ligaram para se manifestar sobre a cobertura do Collorgate: 22 elogiaram e apenas três criticaram o trabalho do jornal.


Endereço da página: