Folha de S. Paulo


A hora da reportagem

Um dos aspectos mais interessantes da cobertura jornalística do chamado Collorgate é de que, ao lado do presidente da República e de seus colaboradores mais próximos, também a imprensa tem estado sob observação.

Se o momento pode se tornar decisivo para o governo Collor , ele é crítico para a imagem da imprensa como instituição. Há uma tensão entre os dois polos -o Planalto e a imprensa- que parecem disputar um jogo de gato e rato.

Em seus pronunciamentos em cadeia de rádio e TV, o próprio presidente Collor tem contribuído para lançar luz sobre a imprensa, negando as reportagens a respeito do caso e dizendo-se vítima de um cerco injusto, de um "furor denunciatório", que segundo ele se transforma numa "novela de mentiras absurdas" alimentada por "atitudes revanchistas", "boatos", "especulações" e "imposturas".

O presidente ataca o que qualificou em um bilhetinho como o "sindicato do golpe", entidade não muito definida, mas que certamente abarca também grande parte da imprensa e jornalistas.

Sem dúvida, parcela substancial dos jornalistas, provavelmente a maioria, sempre teve uma inclinação hostil a Collor. Mas isto não é verdade em relação aos veículos de comunicação. Mas não há apenas hostilidade de jornalistas contra o governo, há fatos.

Ademais, revelações capazes de abalar a República transmitem um sentimento de importância que qualquer um almeja. Reformam a imagem de que a imprensa é uma instituição indômita e autônoma. Estão também em jogo, prestígio profissional e melhores salários.

Mais o que mais causa espécie em toda essa celeuma é que as investigações não são conduzidas por um jornal ou revista isolados. Furos jornalísticos se espalharam por vários veículos, muitos deles concorrentes entre si, sendo que os mais importantes foram publicados pelas revistas "Veja" e "IstoÉ".

E mais: até agora o governo Collor não foi capaz de produzir evidências que desmentissem as denúncias publicadas. Ao contrário, após centenas de horas de depoimentos e inúmeras diligências tanto da Comissão Parlamentar de Inquérito como da Polícia Federal, crescem os indícios do envolvimento do próprio presidente. Mesmo Collor, com todos os meios de que dispõe não foi capaz de produzir um desmentido convincente e definitivo.

Como fiscal do poder, a imprensa tem cumprido seus compromissos nesse episódio até agora, o que não quer dizer que não tenha havido excessos e incorreções.

Até agora, a Folha participa do esforço investigador sem o destaque obtido em outras ocasiões semelhantes. O jornal é vítima do hábito que disseminou. O chamado Projeto Folha, orientador de uma verdadeira revolução imposta na última década, dava ênfase especial à investigação jornalística. Hoje, o Projeto Folha virou lugar-comum, não tem mais novidade, todos usam, alguns até melhor do que a própria Folha.

Restou-lhe a agressividade editorial. "Renúncia já" publicado na capa da Folha de terça-feira passada, expunha-se uma opinião legítima; evidenciava ele próprio o clima de campanha que tomava conta das edições, campanha que até lembrava a célebre campanha pelas eleições diretas para presidência da República, em que a Folha se engajou em 1984 com tanto sucesso.

Tanto assim, que o diretor de Redação Otávio Frias Filho, divulgou memorando alertando a equipe para um problema que há muito parecia superado: "Devemos preservar o direito de leitores reconhecerem, em cada edição e em cada episódio, a versão do governo, que não deve ser escamoteada". O texto recomendava a prudência e prevenia contra textos panfletários e edições estridentes que viessem a tomar o lugar de notícias bem-apuradas e redigidas sem paixão.

Para além dos benefícios que possa vir trazer ao país, o Collorgate tem servido para impor salvaguardas éticas mais rígidas à imprensa, pois mais do que nunca nesse momento, informações inconsistentes, falsas, mal apuradas, seriam desastrosas. Serve também para mostrar que a Folha não é mais o autor principal e isolado do palco do jornalismo investigativo mas que, ao contrário, ela tem que disputar espaço com ávidos concorrentes.

Serve ainda para valorizar ainda mais na hierarquia de valores das redações a figura do repórter, de cujo trabalho os jornais se tornam extremamente dependentes, em particular de uma espécie de "Swat" da reportagem formada por profissionais que conseguem descobrir informações com rapidez e em situações desconhecidas e pantanosas.

ALTA E BAIXA

ALTA para a revista "IstoÉ", pela excelente reportagem com Francisco Eriberto Freire França, ex-motorista da secretária particular do presidente Collor, Ana Acioli. O depoimento de Freire França é a fonte mais rica de provas a vincular o Planalto a PC Farias.

ALTA para a TV Bandeirantes, por ser a única emissora a transmitir trechos substanciais dos depoimentos mais importantes da CPI. As outras TVs têm-se omitido da cobertura ao vivo.

ALTA para a Folha pela nova apresentação gráfica editorial da seção "Atmosfera". Com o espaço economizado, o jornal pode recriar uma seção destinada à cobertura diária de assuntos científicos, na contracapa do caderno Brasil.

BAIXA para a Folha que em maio registrou menos 20 mil exemplares na venda média diária em relação a janeiro. A Folha caiu de 393.178 exemplares para 372.488. O "Estado" perdeu menos - cerca de 4 mil exemplares - na média de exemplares vendidos de 243.581 para 239.361


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